Governo não vai recuar no programa nacional de barragens

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Bruxelas aponta críticas na avaliação do impacto dos projectos Ana Ramalho

"Este país não pode viver sem barragens e ninguém nos pode impedir de as construir", afirmou ontem o presidente do Instituto Nacional da Água (Inag), Orlando Borges, em declarações ao PÚBLICO, depois de ser conhecido que um relatório encomendado pela Comissão Europeia arrasa a decisão do Estado português quanto ao que é considerado um dos projectos mais emblemáticos da governação de José Sócrates.

O documento aponta às autoridades portuguesas várias falhas na avaliação dos impactos do programa de construção de 10 novas barragens e admite que o país não venha a cumprir a directiva europeia da água, no que respeita às metas de qualidade da água até 2015.

O Governo, através do Ministério do Ambiente, do Inag e da Direcção-Geral de Energia, desdramatiza os argumentos apresentados no estudo elaborado por uma entidade externa à Comissão Europeia, por considerar fazer parte de um processo ainda não fechado, em fase de troca de informações com Bruxelas e por não ver efeitos vinculativos no imediato. Orlando Borges defende ainda que "o país não vai incumprir nenhum normativo" comunitário, seja directiva ou regulamento.

O documento elaborado por consultores externos integra-se num modelo de fiscalização reforçada e anunciada por Bruxelas ao Plano Nacional de Barragens, face às queixas dos ambientalistas, enunciando sete questões críticas no projecto e que estão na base do pedido de esclarecimentos a Lisboa.

O Governo é acusado de não ter tido em conta os efeitos acumulados das novas barragens sobre o ambiente, quer quanto à qualidade da água - destacando o caso do Douro, onde a construção de cinco barragens vai "deteriorar significativamente" a qualidade da água na região -, à preservação das zonas da rede Natura 2000 e dos ecossistemas aquáticos. Também é criticado por não ter apresentado alternativas que permitissem uma mais clara relação entre os custos e benefícios do projecto, pelo que face aos dados disponíveis os autores do relatório consideram que "não se compreende esta decisão" do Estado português.

Também em causa está o equilíbrio entre a produção de energia e a necessidade de manutenção de caudais mínimos dos rios, o que vai obrigar a uma produção de electricidade entre 20 e 35 por cento inferior à prevista, segundo os cálculos do relatório. Diz também que Portugal não fez contas ao impacto das alterações climáticas, que vão reduzir a disponibilidade de recursos hídricos e a capacidade de produção eléctrica. Argumenta ainda que poucas barragens terão viabilidade económica.

O pedido de esclarecimentos chegou em Junho e a resposta oficial deverá seguir dentro de uma a duas semanas. Na resposta em preparação, o presidente do Inag cita que foram critérios ambientais que ditaram a escolha dos 10 locais em questão entre uma lista inicial de 25. Diz também que há erros no relatório quando afirma que o Governo não avançou para o reforço de potência das barragens existentes, o que está a acontecer.

Regulador admite impacto negativo

O presidente do Inag, entidade reguladora do sector da água, Orlando Borges, dá razão a, pelo menos, um ponto no relatório elaborado para a Comissão Europeia sobre o programa nacional de barragens e que tem a ver com o impacto negativo dos 10 novos empreendimentos sobre a qualidade da água dos rios. "Se vai degradar a qualidade da água? Nunca negámos os impactos ambientais, na água também, mas há várias componentes a ter em conta", responde o regulador ao PÚBLICO, face à previsão, enunciada no documento, de que o país não vai conseguir cumprir as metas da directiva da água e que não teve esse factor em conta na avaliação dos custos e benefícios do projecto.

O responsável esclarece que em causa estará a "qualidade biológica" da água dos rios "e não a qualidade do ponto de vista químico", garantindo que "as soluções estão pensadas" e que os locais escolhidos "eram os que apresentavam o menor impacto ambiental". Segundo os contratos assinados com os concessionários, estes serão responsáveis pelas medidas de mitigação dos problemas que vierem a verificar-se.

Os estudos de impacto ambiental pedidos aos promotores das novas barragens, já entregues ao Governo, devem pronunciar-se especialmente sobre esta questão, sendo que o modelo de concessão em vigor prevê que o Estado reduza o preço da concessão ou devolva parte dos mais de mil milhões de euros já recebidos, caso o impacte ambiental de cada projecto obrigue a uma redução da cota ou impeça mesmo a sua construção.

Do outro lado da balança desta decisão - que deveria ser suspensa, na opinião dos ambientalistas - estão os objectivos considerados estratégicos para o país: redução da dependência energética do país, aposta em energias renováveis, valorização da energia eólica e criação de riqueza e emprego.

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