Os semáforos são a vingança do Leste

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A primeira loja abriu em 2004, com todo o tipo de objectos com o boneco da ex-RDA Rui Gaudêncio

O pequeno homem do chapéu que orienta os peões em Berlim é agora a lembrança mais procurada pelos turistas. Quem vai a Berlim traz uma T-shirt, uma caneca, um íman de frigorífico ou o que quer que seja, não com o símbolo oficial da cidade, o urso, mas com o bonequinho dos semáforos.

Muitas pessoas não saberão, no entanto, a história por trás desta figura simpática: o homem dos semáforos (Ampelmann) é uma rara reminiscência da Alemanha de Leste. E, ironicamente, está a transformar-se no símbolo da capital alemã e no seu objecto de merchandising por excelência.

Quando a República Democrática da Alemanha acabou e foi integrada na Alemanha ocidental, a maioria do que era típico do Leste desapareceu. Muitas coisas eram símbolos com carga política, outras eram obsoletas em relação ao que havia no Ocidente, e outras ainda foram simplesmente levadas na voragem da necessidade de tornar o país igual. Hoje restam duas coisas: o homem dos semáforos e o champanhe Rotkäppchen (Capuchinho Vermelho).

A ideia de uniformizar os semáforos surgiu em meados dos anos 1990, quando se programou a substituição de todos os sinais para os peões por uma figura semelhante à do lado ocidental. Enquanto os homens dos semáforos iam sendo retirados, surgiu um movimento a favor da sua conservação, que acabou por juntar alemães de Leste e Oeste num "comité para a preservação do Ampelmann" em 1995.

Os membros do comité esgrimiam argumentos como a maior visibilidade do boneco criado em 1961 por um psicólogo de trânsito da RDA, Karl Peglau. O Ampelmann ocupa uma superfície de luz e cor muito maior do que o seu congénere ocidental, e parece ser mais facilmente reconhecível pelas crianças.

Um designer, Markus Heckhausen, começou entretanto a aproveitar os Ampelmänner retirados e criou a marca registada Ampelmann, o que também teve grande eco mediático.

O peso dos protestos levou a que as autoridades repensassem a decisão e o pequeno homem do semáforo acabou por regressar aos cruzamentos de Berlim em 1997 - não só na parte oriental como em várias zonas de Berlim ocidental.

Pouco a pouco, começaram a surgir objectos com o homem dos semáforos. Primeiro canecas, depois T-shirts e porta-chaves, em algumas pequenas lojas dedicadas à Ostalgie, a nostalgia do Leste. Mas o Ampelmann começou a ganhar estatuto próprio e, enquanto algumas dessas lojas abriam e fechavam, começaram a surgir as lojas da marca registada Ampelmann. A primeira abriu em 2004, na Potsdamer Platz.

Actualmente, há quatro grandes lojas em zonas turísticas, do Gendarmenmarkt à Oranienburger Strasse.

É difícil enumerar tudo o que existe nestas lojas: toalhas, sabonetes, esponjas, passando por alimentos como gomas ou massa em forma de Ampelmann, jarras para flores, candeeiros, ou cadeiras de praia com o estampado do boneco verde ou vermelho: mais de 50 artigos Ampelmann, segundo o site. Há ainda um grande restaurante e uma esplanada Ampelmann.

O pequeno homem dos semáforos que tinha sido condenado ao desaparecimento escapou assim ao seu destino traçado, voltando e em força: o antigo símbolo da Berlim comunista não só tomou conta das ruas do Oeste como é agora o protagonista de um lucrativo negócio do merchandising turístico.

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