A morte súbita e os seguros

1. Na semana passada, quando demos conta de um caso de morte na prática desportiva e das responsabilidades daí decorrentes, estávamos longe de prever que, nesse mesmo dia, um basquetebolista viria a falecer em circunstâncias que chocaram a comunidade desportiva. Sucederam-se declarações, sendo de destacar as do director do Centro Nacional de Medicina Desportiva, que defendeu a fiabilidade dos exames para detectar as causas da morte súbita, mas admitiu que há casos que podem não ser detectados. Por vezes, muito poucas vezes, segundo o especialista, "a primeira manifestação da doença é a morte".

2. Hoje trazemos ao conhecimento do leitor o que aconteceu com um jovem futebolista amador, de 17 anos, que caiu no chão, inanimado, na sequência do esforço físico a que foi submetido em treino de preparação para os jogos de fim-de-semana, vindo a falecer a 17 de Setembro de 2001. Sobre o ocorrido, no plano da cobertura de um seguro de acidentes pessoais, pronunciou-se recentemente o Tribunal da Relação do Porto.

3. De acordo com o relatório de autópsia, o coração do jovem "apresentava graves malformações/vegetações de todas as válvulas, nomeadamente da aorta, o que, associado ao esforço físico provocado pela realização do teste de "Cooper", que o atleta desenvolvia, lhe veio a provocar a morte, que foi consequência directa e necessária da doença cardíaca". Perante este quadro, os tribunais ocuparam-se em apurar da responsabilidade da seguradora.

A primeira instância condenou a seguradora a pagar aos herdeiros do jovem a quantia de 20.849,75 euros, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento. Insatisfeita, a seguradora recorreu para o Tribunal da Relação.

4. Segundo a seguradora, não estamos perante um acidente, dado que da condição física do jovem decorreria necessariamente o que infelizmente veio a suceder.

A lesão do foro cardíaco não foi súbita, pois já era preexistente ao esforço físico que foi despendido naquele dia; o que sobreveio a essa lesão foi a morte, facto este que ocorre devido a uma situação que não pode ser considerada, no rigor dos princípios, um acidente.

Ou seja, o atleta não faleceu exclusivamente devido a um esforço físico decorrente da prática desportiva. Em suma, foram condições prévias à prática desportiva que ocasionaram a morte e não a prática desportiva.

5. O Tribunal da Relação do Porto decidiu de outra forma. Com efeito, entendeu que os factos provados apontam para que estejamos perante um acidente pessoal.

Em contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, segundo o tribunal, o carácter involuntário do evento que consubstancia o sinistro não pretende excluir os actos voluntários, mas apenas os intencionais - a vítima não tinha conhecimento da gravidade da situação do seu coração -, devendo considerar-se cobertas as lesões que se produzam como consequência imprevista de actos voluntários.

Mostrando-se provado que a morte não adveio exclusivamente do esforço físico despendido durante uma corrida intensa, mas da associação dessa corrida com o facto de o seu coração apresentar graves malformações/vegetações de todas as válvulas, nomeadamente da aorta, temos que nenhuma dessas circunstâncias foi, individualmente considerada, a causa da morte. Portanto, o que se verificou foi a existência conjugada dos dois factores, sendo um endógeno (a doença cardíaca), outro exógeno (o esforço físico despendido na corrida). Diferente seria se ele conhecesse (os factos provados não o revelam) a sua doença ou qualquer contra-indicação médica incompatível com o exercício do esforço físico inerente à prática desportiva.

josemeirim@gmail.com

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