Julgar Queiroz por um "play-off" seria estar a hipotecar o futuro

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Paulo Pimenta (Arquivo)

Queiroz começou por se debater com problemas estruturais e outros conjunturais. Os primeiros são os mais graves e têm, por exemplo, a ver com uma evidência: Portugal continuava a ter belíssimos jogadores, alguns aptos a figurar na elite mundial, mas não possuía soluções credíveis e/ou experimentadas para quatro posições: guarda-redes, lateral-esquerdo, médio-defensivo e ponta-de-lança. Baía, Ricardo, Nuno Valente, Costinha, Petit e Pauleta tinham abandonado ou deixado de ser opção, problema agudizado por quase coincidir com o fim da carreira de Figo, Rui Costa e João Pinto. Por arrastamento, isso criou um enorme vazio em termos de liderança do balneário, até porque Couto e Jorge Andrade também já lá não estavam.

Menos visíveis, existiam ainda outras questões: um quadro de recrutamento cada vez mais reduzido, em função do excesso de estrangeiros nas equipas; um trabalho acomodado e cada vez com menos resultados nas selecções jovens; e um universo de dirigentes incapazes de alterarem as incongruências do nosso futebol, principalmente a relativa ao quadro competitivo dos seus campeonatos.

Queiroz tentou resolver a questão do reduzido leque de seleccionáveis chamando 41 jogadores nos 16 jogos que dirigiu. Foi criticado por excesso de experiências e por ter dado uma oportunidade a alguns que não mostraram merecê-la. Mas não deixa de ser verdade que nos dez jogos oficiais utilizou somente 30 atletas – metade dos quais levaram a fatia de leão do tempo de jogo. Pode não ser o melhor exemplo, mas o instável Maradona chamou 78 jogadores no tremido apuramento da Argentina. Raul Meireles foi o jogador mais utilizado na qualificação (ver artigos relacionados), seguido de Pepe, Bosingwa, Ricardo Carvalho, Bruno Alves e Deco. Ronaldo só aparece no sétimo lugar, fruto das lesões.

Pelo meio, Queiroz renovou (bem ou mal, mais tarde se descobrirá) o quadro de técnicos e retomou a selecção B, que entretanto deu lugar aos sub-23. Entregou ainda a Gilberto Madaíl o projecto Rumo ao futuro, onde, entre outras coisas que não são do domínio público, assume que todas as selecções até aos sub-17 irão jogar em 4x3x3 e que, a partir daí, àquele sistema será acrescentado o 4x4x2 losango. Independentemente de algumas destas decisões serem mais do âmbito de um director técnico (cargo que não existe na FPF) do que de um seleccionador, a utilização deste último desenho acabou por ser experimentado nos “A” frente ao Liechtenstein, em Agosto, e por contribuir para os desfechos positivos na Dinamarca e na Hungria.

Hoje, Portugal tem Eduardo na baliza, uma solução remediada num país actualmente sem guarda-redes de top. Eduardo tem margem de crescimento, tal como Rui Patrício e Ventura, este talvez a principal promessa.

Outro lugar que ainda não está resolvido é o de lateral-esquerdo. Os cinco jogos em que Duda participou mostraram-no. Se fizer por isso, talvez Miguel Veloso resolva a questão, mas para isso precisa de trabalhar mais e melhorar o seu posicionamento defensivo.

Para a posição seis há agora duas alternativas de cariz diferente: Pepe e Pedro Mendes. Este último foi elogiado de forma unânime nos dois últimos jogos. Os mesmos críticos aproveitaram para atacar Queiroz por só agora se ter lembrado dele. Um contra-senso. Porque Pedro Mendes, tirando situações esporádicas, nunca foi “trinco” no Guimarães, FC Porto, Tottenham, Portsmouth e Glasgow Rangers. E porque a Queiroz devia era ser tributado o mérito de ter descoberto, em poucos dias de treino, que ele podia fazer o lugar. Até apetece perguntar: quantos críticos disseram antecipadamente que ele podia ser a solução? Já agora, registo a minha opinião: Pedro Mendes chega e sobra para receber a Hungria e Malta, mas não tem as características ideais para a posição num jogo com outro grau de dificuldade. Pepe dará então mais garantias.

Com a naturalização de Liedson, Queiroz ficou com menos uma dor de cabeça, até porque o 4x4x2 losango abriu novas perspectivas e arranjos na escolha dos avançados.

Portugal quase comprometeu tudo na primeira metade do apuramento (apenas seis pontos nos cinco primeiros jogos). A derrota na recepção à Dinamarca, em que Portugal efectuou a melhor exibição dos últimos anos, teve um efeito nefasto na psique de muitos jogadores. A qualidade de jogo baixou, mas Queiroz pode contrapor o elevado número de lesões (chegou a não contar com sete titulares) e com os cinco penáltis a favor que ficaram por assinalar. Pode ainda acrescentar-se o sub-rendimento de Ronaldo. Ainda não marcou e Portugal apontou 12 dos seus 17 golos sem ele em campo. Ao contrário do que muitos disseram, justifica-se um diagnóstico idêntico ao que foi feito por César Menotti a um outro craque: “Messi joga pelo Barcelona e corre pela Argentina. A selecção corre muito porque joga mal”. Ou seja, o problema de Portugal (e de Ronaldo) nunca foi uma questão de entrega, antes de instabilidade emocional. E isso só se melhora ganhando. Mesmo assim, Portugal só não foi superior ao adversário num jogo (na Suécia).

Segunda-feira saber-se-á se vamos defrontar Ucrânia, Rep. Irlanda, Bósnia ou Eslovénia (o menos difícil). Esperemos que não se volte a dizer que a sobrevivência de Queiroz será definida em apenas quatro dias de Novembro. Porque isso seria hipotecar o futuro da selecção.bprata@publico.pt

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