O passado é um país distante?

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Acácio Acácio Videira

"October Country" e "Acácio": sexta-feira é dia grande na competição oficial com dois filmes sobre o modo como o passado marca o presente

De um lado, a memória de um passado irrecuperável, perdido no tempo, registada quase por acaso em fotografias e filmes caseiros. Do outro, uma família de tal modo marcada pelo passado que parece condenada a repeti-lo no presente. Os testemunhos de família estão no centro das duas longas-metragens apresentadas hoje na competição do DocLisboa, duas fortíssimas candidatas ao prémio maior do certame.

Uma tem muito a ver connosco e com um tempo que Portugal ainda não absorveu nem estudou o suficiente. Talvez seja por isso que foi preciso uma documentarista brasileira, Marília Rocha, para filmar Acácio, viagem quase etnográfica pelo passado colonial através dos arquivos particulares de Acácio Videira. Acácio é um emigrante português radicado hoje em Belo Horizonte, mas que viveu em Angola até à descolonização e trabalhou como fotógrafo da firma de diamantes Diamang, registando em imagens e em filme de 16mm as suas viagens pelo interior angolano mas também a sua própria vida familiar e pessoal. História oral cruzada de montagem de imagens de arquivo que flutua entre os dois mundos que se cruzavam na Angola colonizada pelos portugueses, contextualizada pela voz off da própria realizadora, Acácio não cai na tentação da nostalgia colonial, preferindo-lhe o olhar mais terno da viagem pessoal por um passado que se viveu.

O presente dos Mosher, família de classe trabalhadora do Mohawk Valley no estado de Nova Iorque, esse, é tudo menos dourado: o pai, que regressou traumatizado do Vietname e é polícia reformado, cortou praticamente relações com a irmã, aspirante a feiticeira pagã que se define como "uma farmácia ambulante", a filha e a neta entraram em casamentos abusivos seguidos de batalhas pela custódia das crianças, o filho adoptivo está sempre a entrar e sair da prisão. October Country, que venceu o prémio de melhor documentário do festival Silverdocs, em Washington, regista ao longo de um ano (mais precisamente entre duas noites de Halloween) o ambiente quotidiano de uma família perseguida pelos fantasmas de um passado difícil e doloroso, ao qual todos parecem condenados pelo simples facto de nascerem com este apelido e neste local onde tudo depende das fortunas da fábrica de espingardas Remington. No seu olhar desencantado sobre gente presa num círculo social vicioso, October Country poderia ser entendido como um exercício de voyeurismo malsão cruzado de preguiçosa denúncia liberal, não se desse o caso de o documentário ser baseado nos ensaios fotográficos de Donal Mosher, o filho mais velho da família, que co-realiza com Michael Palmieri. O que não torna October Country, maravilhosamente fotografado e intercalado com belíssimos planos de uma poesia urbana quase desesperada, mais fácil de ver nem atenua a ambiguidade moral do seu dispositivo, mas o torna mais terapêutico que gratuito, mais sentido que explorador. 

DOCLISBOA
Competição Internacional

October Country, de Michael Palmieri e Donal Mosher (EUA, 2008, 78 minutos), antecedido pela curta de Ricardo Iscar Soledad. Cinema Londres, sala 2, sexta (16) às 14h30, e Culturgest (Pequeno Auditório), quinta (22) às 16h15.

Acácio, de Marília Rocha (Brasil, 2008, 88 minutos).Cinema Londres, sala 2, sexta (16) às 21h00, e Culturgest (Grande Auditório), quarta (21) às 21h00.

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