"Kings of Convenience": um projecto de vida a dois

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Passaram oito anos, mas Erlend Oye e Eirik Glambaek Boe ainda estão lá, em Bergen, Noruega

Cinco anos depois do último álbum e oito após a estreia os Kings Of Convenience regressam com um som ainda mais sereno e orgânico em "Declaration Of Dependence". Erlend Oye diz que não são uma paixão passageira, são um projecto de vida

Passaram oito anos, mas Erlend Oye, o "caixa-de-óculos", e Eirik Glambaek Boe ainda estão lá, em Bergen, Noruega. Nos novos vídeos ainda andam de bicicleta, circundando as montanhas e o porto marítimo da cidade. Eirik ainda se faz acompanhar pela namorada e Erlend ainda se apresenta com aquele ar meio perdido de eterno acompanhante do casal.

Era assim em "Quiet Is The New Loud", álbum de estreia de 2001. Volta a ser assim em "Declaration Of Dependence", o registo acabado de lançar, feito com a habitual eloquência melódica, entre cenários acústicos, recursos mínimos e uma forma de expressão límpida.
Parece que nada mudou. Mas não é verdade. Entre os dois álbuns houve um disco de remisturas ("Versus"), um de originais ("Riot On An Empty Street") e Erlend Oye viveu cinco anos em Berlim, onde concretizou discos a solo e o projecto Whitest Boy Alive. O novo álbum constituiu um regresso em casa, em todos os sentidos. Talvez por isso pareça que nada mudou. Há oito anos, quando entrevistámos pela primeira vez Erlend Oye, a primeira coisa que ele nos disse foi: "estou em casa a olhar para as montanhas."

Como está a ser o seu dia?

Tem sido bom. Levantei-me há pouco, estou a tomar o pequeno-almoço em casa, a olhar para as montanhas.

Gosta de fazer entrevistas por telefone?

Pode ser estranho. A maior parte dos músicos com quem falo sobre isso não parece gostar muito. Mas muitas vezes é uma falsa questão. O que interessa é ter jornalistas que conheçam o nosso trabalho e consigam dialogar sobre ele. Nem sempre acontece. É mesmo cada vez mais raro. Disto isto, já dei óptimas entrevistas por telefone e outras terríveis cara-a-cara. Depende. É engraçado porque o telefone pode criar uma certa intimidade, no sentido em que se pode dizer o que nos apetece, sem sentirmos autocensura ou qualquer censura do outro lado.

Antes de iniciarem a ronda de entrevistas com a imprensa combinam três ou quatro coisas que é importante dizer?

Nada disso. Claro que há coisas que sabemos que nos vão perguntar, mas normalmente é aquele tipo de questões sobre as quais nós próprios já reflectimos.

Vão ser bombardeados com esta pergunta: porquê "Declaration Of Dependence" para título do álbum? 

[risos] Sim, essa é a pergunta que ouvimos mais vezes, independentemente do título ter ou não relevância. Parece que há uma série de perguntas que todos os jornalistas fazem e essa é uma delas.

Mas neste caso o título parece ter significado relevante. A ideia de "dependência" pode ter conotação negativa, mas também pode ser encarado como algo saudável. Por exemplo, como definidor de limites.

Sim, absolutamente, mas a maior parte das pessoas tem medo da dependência. Durante muitos anos, acontecia-me isso.

Como se fosse algo que lhe limitasse os movimentos?

Exacto. Quando muitas vezes é ao contrário. Podemos depender de uma série de coisas - de pessoas, por exemplo - e isso ser estruturador. No sentido em que sabemos que elas estão lá sempre, aconteça o que acontecer. É essa consciência que nos pode permitir, precisamente, ter espaço para sermos mais livres.

Como classificaria a sua relação com Eirik?

É como se fôssemos irmãos. Vivemos muitas coisas juntos e depois de muitos anos a discutir sobre as mais diversas coisas permitimo-nos ser autênticos um com o outro e isso é fantástico. Fomos pacientes um com o outro e agora compreendemo-nos muito bem. E isso acontece mesmo se nem sempre concordamos e temos visões muito diferentes sobre a realidade.

Desde o primeiro álbum que se criou a ideia que você era mais aventureiro e ele o mais estável. Revê-se no retrato?

Não é tão simples. Sou aventureiro, mas passo o tempo a sonhar com estabilidade. Ele tem essa estabilidade, uma mulher e um filho lindos, mas também deseja a aventura... [risos].

Como é vivida essa divisão, esse conflito?

Durante anos era isso, em parte, que nos dividia, mas não tínhamos essa consciência. Eu estava sempre pronto a partir. Eirik queria ficar. Agora esse conflito desvaneceu-se, porque ambos nos aceitamos melhor. Continuo a gostar de viajar, de andar em digressão, de conhecer outras pessoas e cidades, mas estou mais pacificado com o facto de ser aqui que encontro tranquilidade. Com Eirik passa-se o mesmo. Tenho a sensação que, às vezes, ele sentia que o mundo lhe passava ao lado por estar aqui. Agora sente-se menos ansioso, mais pacificado.

Algumas pessoas podem confundir isso com conformismo.

Não, não é resignação. É aceitar a vida tal como ela é.

Há seis anos, quando falámos, tinha acabado de chegar a Berlim. Estava fascinado com a cidade. Agora regressou a Bergen e gravou novo disco com Eirik. Dá ideia de ser um regresso a casa, no sentido mais amplo.

Sim. Adoro Berlim, tirando o fumo nos bares ou a música nos restaurantes...[risos] Não estou arrependido de ter vivido lá uma série de anos. Mas cheguei à conclusão que Bergen, nesta fase, era melhor para mim. A verdade é que passo parte do meu tempo a viajar, a partir e a chegar. Há uma parte da minha vida que tem qualquer coisa de agitado, que associo a sair daqui. Nesse sentido é reconfortante regressar à casa de sempre, Bergen.

Fez amigos com facilidade em Berlim?

Sim, mas a grande questão para alguém que está fora do seu país é saber até que ponto essas amizades são profundas. Conheci imensa gente em Berlim, mas os meus grandes amigos, aqueles que vão perdurar, estão aqui, na Noruega. Foi também por isso que tive vontade de regressar. O título do álbum "Declaration Of Depedence" tem também a ver com isso. Percebi que dependia disto: dos meus amigos, destas montanhas, do mar.

Há uma certa nostalgia na vossa música que talvez reflicta essa vontade de partir e ficar. A fotografia da capa do disco parece retirada daqueles discos de bossa nova dos anos 70, um género que também reflecte essa melancolia.

É verdade. Gosto muito de música brasileira, da mais clássica, como João Gilberto, ou da mais moderna, como Caetano Veloso, mas não diria que somos grandes conhecedores. Na bossa nova gosto daquela coisa de ser apenas alguém com uma guitarra a cantar, de uma forma simples. E, sim, a melancolia está presente na nossa música, mesmo nos meus outros projectos que são mais electrónicos. Mas não somos grandes conhecedores dessa música. Nem de bossa nova, nem de nada em geral. Não somos grandes consumidores de música.

Mas fala com à vontade da actualidade musical. Numa entrevista recente falava dos The xx, com quem partilha um certo gosto pelo minimalismo.

Sim, é uma das últimas coisas que ouvi que me entusiasmaram. Mas estava a ser sincero, não ouvimos tanta música quanto isso. Quando se faz música durante o dia, a última coisa que se quer, no tempo livre, é ouvir ainda mais música. 

As influências neste álbum continuam as mesmas: folk, bossa nova, canções para voz e guitarra. É um disco de continuidade. Nunca foi opção criar uma obra de ruptura?

O que me agrada nos Kings é essa familiaridade. Pode soar a falso, mas teria sido mais fácil criar qualquer coisa com influências que nos fossem exteriores. A nossa opção não foi essa. Foi fazer um disco com diferenças nascidas a partir do interior da nossa música, mas é um disco mais tranquilo, mais acústico, ainda mais orgânico. Logo, é também diferente do que já fizemos. Os materiais são os mesmos, mas são mostrados de outra forma. 

À primeira audição não é fácil perceber quem canta o quê, de tal forma as vossas vozes são semelhantes.

Essa é uma das diferenças deste álbum. Quando começámos, Eirik cantava a maior parte das canções, depois as coisas foram-se equilibrando, agora cantamos os dois e ninguém percebe... [risos]. Mas é a combinação que resulta. Completamo-nos.

Canta no seus outros projectos - a solo e com os The Whitest Boy Alive. Até que ponto essa aprendizagem acabou por influenciar este disco?

É difícil dizer. Talvez o facto de ter tido outras experiências tenha contribuído para saber estar em grupo. A minha relação com Eirik também amadureceu por causa disso. Hoje apreciamo-nos mais, como pessoas e como compositores. Temos consciência que valemos mais os dois do que sozinhos. Nesse sentido foi importante ter tido outras experiências e ter trabalhado sozinho e também com outras pessoas. Percebi que posso apaixonar-me por outros projectos, mas os Kings Of Convenience são um projecto de vida...[risos]. E isso faz toda a diferença.

Como se o facto de ter estado longe dos Kings Of Convenience, de Eirik, de Bergen, o tivesse ajudado a perspectivar a verdadeira importância de tudo isso?

Exactamente. Percebi que necessitava de tudo isso.

Em 2001 os Kings of Convenience venderam cerca de 500 mil exemplares. Oito anos depois continuam numa grande editora, mas dificilmente voltará a acontecer algo semelhante não lhe parece?

Não tenho quaisquer dúvidas, a não ser que algo de muito surpreendente venha a suceder. Muita coisa mudou, com a internet. Para um projecto como o nosso, os discos transformaram-se num pretexto para digressões.
Vêm a Portugal [2 de Novembro no Theatro Circo em Braga e dia 4 no Coliseu de Lisboa], onde já actuaram nos mais diversos sítios. Desta vez vão tocar no Coliseu, uma das mais importantes salas do país. Há novidades para esta digressão?

Damo-nos bem com Portugal, sim. As pessoas parecem compreender-nos muito bem o que é recompensador. Talvez tenha a ver com aquela coisa que há pouco falávamos do sair e do ficar, natural em países pequenos como os nossos. Acontece o mesmo com Itália, onde são extremamente calorosos connosco e onde a comida, como em Portugal, é excelente. Para esta digressão podia dizer que haverá grandes novidades, grandes meios e tal, mas não é verdade. Os nossos concertos nunca passam por aí. Haverá novas canções, isso sim. Mas o resto não será muito diferente, duas pessoas honestas em palco.

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