Dance Mwangolé

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O que se ouve aqui, neste magnífico "Dance Mwangolé" do projecto Batida, não é o passado revisto pelos olhos do presente. Não são sembas transformados em kudurus, merengues a brincar com os graves do kwaito, não é brincadeira de gente urbana a fingir pertencer ao musseque. "Dance Mwangolé" cruza tudo isso para celebrar o que permanece de espírito criativo (que é, também, o espírito de uma vida, a angolana, a africana, a portuguesa que olha para Angola como emanação de uma cultura partilhada).

"Dance Mwangolé", gravado quando DJ Mpula, Beat Laden, da Rádio Fazuma, e Ikonoklasta, do Conjunto Ngonguenha, acederam aos arquivos angolanos das décadas de 1960 e 1970 da Valentim de Carvalho, é uma convulsão rítmica que se complementa. São as guitarras cristalinas do semba de ontem engrandecidos com subgraves de hoje, são os mágicos berimbaus e percussões do Grupo Folclórico de Angola ecoando febrilmente entre os requebros rítmicos criados por Mpula e Beat Laden. "Dance Mwangolé" é um quadro musical vivo e vibrante. Música como espelho do real. Lá encontramos a "fabulosa história de Arlindo Bolota" e a sua "orquestra alcoólica, contada por Ikonoklasta, lá ouvimos o impressionante Sacerdote, directamente da Sambila, MC de "flow" seco e torrencial, a falar do kuduro e de Angola para além do kuduro. Ali, enfim, descobrimos uma bomba como "Bazuka" - o sample dos históricos Águias Reais, o reco-reco a "bombar", os graves a entorpecer o corpo e aquele ritmo negro, suado: está encontrado sucessor de "Wegue wegue" e não haverá frio no Inverno enquanto houver Batida. Organizado como fluxo contínuo, onde a música e a voz da rua se intercalam, "Dance Mwangolé", é um álbum que estilhaça a História: não quer saber de a ter organizadinha, bem arranjada em arquivos estanques. Tudo flui, tudo transborda. Toda esta música torna-se uma só. E é tão importante quanto irresistível.

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