CCCCAA? É um telómero, meus senhores!

Três cientistas receberam o Nobel da Medicina pela descoberta do mecanismo que protege os cromossomas

Carol Greider gosta de acordar cedo e, ontem, estava a lavar a roupa e ia preparar o pequeno-almoço dos filhos quando recebeu um telefonema vindo do outro lado do Atlântico, da rádio pública sueca. Foi assim que esta bióloga norte-americana de 48 anos, que trabalha na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, soube que tinha acabado de ganhar o Prémio Nobel da Medicina.

Greider faz parte do trio que mereceu este ano a preferência do Comité Nobel do Instituto Karolinska, em Estocolmo. Os outros dois laureados são Elizabeth Blackburn, 60 anos, nascida na Austrália e investigadora na Universidade da Califórnia; e Jack Szostak, 56 anos, nascido no Reino Unido e a trabalhar na Universidade de Harvard.

Estes três cientistas, declarou ontem o Comité Nobel, "resolveram um dos grandes problemas da biologia: descobriram como os cromossomas conseguem ser completamente copiados durante as divisões celulares e como são protegidos contra a degradação. (...) Mostraram que a solução reside nas extremidades dos cromossomas - nos telómeros - e na enzima que governa a sua formação, a telomerase."

Capas de atacadores

Os telómeros são pequenas sequências de ADN que se repetem nas ponta dos cromossomas (os aglomerados de material genético que se agrupam em pares, um herdado do pai, outro herdado da mãe, dentro das nossas células). À maneira das capas dos atacadores dos sapatos, impedem que os cromossomas se desfiem quando a célula se divide para dar origem a duas células filhas.

Já nos anos 1930, explica o comité em comunicado, vários cientistas tinham observado a existência destas estruturas. Suspeitava-se que desempenhassem um papel protector dos cromossomas, mas o mecanismo através do qual exerciam essa função iria permanecer misterioso durante mais umas décadas.

Aliás, o problema começou por se adensar antes de ser finalmente resolvido pelos três laureados deste ano.

Nos anos 1950, com a descoberta da estrutura da molécula de ADN, quando os geneticistas começaram a perceber como é que os genes são copiados - duplicados - antes da divisão celular, descobriram que existia um pequeno "defeito" no mecanismo de cópia, que fazia com que as pontinhas dos cromossomas não pudessem ser copiadas pelas enzimas encarregadas disso (as polimerases).

Mas isso quereria dizer que os cromossomas, de divisão em divisão, iriam perdendo pequenos troços. Ora, era um facto que isso normalmente não acontece: as células conseguem duplicar o seu material genético apesar deste "problema do fim da replicação", tal como foi baptizado por James Watson (diga-se, já agora, que na mesma altura um cientista russo, Alexei Olovnikov, especulou acertadamente que o envelhecimento celular poderia estar relacionado com esta questão).Pequena sequência-chave

Seja como for, então como explicar que os cromossomas não se fossem encurtando irremediavelmente, de cada vez que uma célula se dividia, pondo prematuramente termo à vida activa dessa célula?

No início da sua carreira, Elizabeth Blackburn estava a sequenciar o ADN de um organismo unicelular,Tetrahymena, quando descobriu que uma curta sequência, "CCCCAA" (o ADN está escrito com um alfabeto de quatro letras, A, T, G, C, que representam os quatro tipos de moléculas de base que o compõem), aparecia repetida nas extremidades dos cromossomas.

Tratava-se nada mais nada menos do que da sequência característica dos telómeros - mas isso ainda estava por demonstrar.

Encontro com as leveduras

Em 1980, a investigadora apresentou os seus resultados numa conferência e Jack Szostak estava presente. Ele tinha, por seu lado, constatado que, quando introduzia pequenos troços de cromossoma de levedura, ou microcromossomas, dentro de células de levedura, estes eram rapidamente degradados, e ficou muito interessado pelo trabalho da sua colega.

Os dois cientistas tiveram então a genial ideia de juntar esforços e de fazer a seguinte experiência: pegar na sequência CCCCAA proveniente deTetrahymena, isolada por Blackburn, acoplá-la ao microcromossoma de Szostak e introduzir o conjunto nas células de levedura.

"Os resultados", diz o Comité Nobel, "que foram publicados em 1982, eram notáveis: a sequência de ADN dos telómeros protegia os microcromossomas da degradação. E como o ADN do telómero de um organismo (...) protegia os cromossomas de outro organismo, totalmente diferente, a levedura, isso demonstrava a existência de um mecanismo fundamental até lá desconhecido." Essa pequena sequência "está presente na maioria das plantas e dos animais, das amibas aos seres humanos".

A partir daí, com a sua doutoranda Carol Greider, Elizabeth Blackburn começou a investigar se haveria uma enzima, também desconhecida, por trás da formação dos telómeros.

"No dia de Natal de 1984", relata ainda o comunicado, "Greider descobriu sinais de actividade enzimática num extracto celular." Baptizaram-na telomerase, purificaram-na e mostraram que é feita de ARN (uma forma de material genético, diferente do ADN) e de uma proteína.

O ARN contém a sequência CCCCAA, que serve de matriz para a construção de telómeros adicionais, e a proteína realiza o trabalho de construção propriamente dito. "Desta forma, as polimerases [as enzimas que constroem as novas cadeias de ADN durante a divisão celular] tornam-se capazes de copiar a totalidade dos cromossomas, sem perder a extremidade final."

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