Sócrates diz que não tem nada a ver com o caso de corrupção do aterro da Cova da Beira

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Primeiro-ministro foi ouvido como testemunha mas as perguntas visam temas que podem vir a aquecer o julgamento agora adiado Carlos Lopes

José Sócrates desconhece tudo sobre um dos mais delicados casos de corrupção que esperam julgamento. Em resposta às perguntas que o tribunal lhe dirigiu e que visavam esclarecer, a pedido de uma das arguidas, o papel que terá tido em muitas situações que fundamentam a acusação, o primeiro-ministro põe-se fora de jogo e diz que nada tem a ver com o assunto.

O testemunho foi enviado à juíza a 31 de Agosto e contraria aquilo que parecem sugerir as perguntas feitas por Ana Simões - a arguida acusada, juntamente com o ex-marido, António Morais, de ter recebido mais de 50 mil euros do empresário covilhanense Horácio Luís de Carvalho para que a construção da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos (ETRS) da Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB) fosse adjudicada, em 1997, a um consórcio liderado pelas suas empresas HLC e Conegil.

Subjacente às perguntas feitas a Sócrates - a que este respondeu por escrito, depois de autorizado pelo Conselho de Estado - está a tese, repetida em todas as denúncias anónimas que originaram a investigação e nos testemunhos informalmente recolhidos pela Judiciária em 1997, de que o então secretário de Estado do Ambiente estaria por trás do favorecimento do grupo HLC e que teria recebido 750 mil euros por isso.

Sendo certo que a arguida era gerente e sócia, com o então marido, da empresa ASM, seleccionada numa consulta fictícia para assessorar o concurso da AMCB, os autos revelam que ela se considera alheia a toda a trama de corrupção descrita pelo despacho de pronúncia. Ana Simões não só sustenta que foi utilizada pelo ex-marido e que foi ele quem conduziu todo o processo que levou à adjudicação da obra à HLC por perto de 12 milhões de euros, como suspeita que ele tenha falsificado a sua assinatura em documentos essenciais.

Sete perguntas

E é atendendo aos indícios iniciais da investigação, e ao facto de Sócrates nunca ter sido investigado nos dez anos do inquérito - apesar de a PJ ter pedido buscas à sua residência, que foram recusadas pelo Ministério Público (MP) em 2003 -, que a sua indicação como testemunha neste processo acaba por ganhar especial relevância.

O facto torna-se tanto mais sensível quanto se sabe agora que Morais era professor de quatro das cinco cadeiras que deram a Sócrates o título de licenciado em Engenharia em 1996, o ano em que a ASM foi contratada para assessorar a AMCB. Significativo neste quadro é também a circunstância de o MP não ter descoberto, nem ter feito praticamente nada por isso, de quem partiu a ideia de convidar a ASM, uma desconhecida firma de Lisboa.

O que o tribunal quis esclarecer de mais relevante foi se o então secretário de Estado, de cujos serviços dependia a aprovação da ETRS, conhecia a ASM e se alguma vez intercedeu "para que o trabalho de assessoria ao concurso da estação de tratamento [...] e respectivo caderno de encargos fosse entregue à firma". Nas sete perguntas feitas a Sócrates avulta uma outra sobre "se ordenou, directa ou indirectamente, quer à arguida A. Simões quer ao arguido A. Morais ou a terceiros, que dirigissem os pareceres/relatórios que foram produzidos para a AMCB, por forma a influenciar a adjudicação ao consórcio liderado pela HLC".

À margem de tudo

Algumas das restantes perguntas não se relacionam directamente com o concurso, mas tornam-se melindrosas por questionarem a credibilidade de Sócrates quanto às suas relações com Morais. Sabendo-se que o primeiro-ministro tem afirmado que o conheceu quando ele foi seu professor em 1994, mas sendo público que ambos participaram na campanha de Mário Soares, em 1990, na Covilhã, e que Morais aderiu ao PS, no mês seguinte, na secção do então deputado, o tribunal quis esclarecer se ele o conhece, e à ex-mulher, e, se sim, quando e em que circunstâncias os conheceu.

Em cerca de 50 linhas, Sócrates respondeu a tudo, garantindo que nunca teve "qualquer intervenção no sentido de aconselhar, sugerir ou ordenar a adjudicação ou entrega à referida ASM de quaisquer trabalhos", o mesmo afirmando sobre os pareceres por ela produzidos. Além disso, assegura que não conhecia a ASM e que não conhece Ana Simões. Quanto a Morais, afirma: "Conheci o eng. António Morais no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, quando me inscrevi para concluir a licenciatura em Engenharia Civil nesse instituto, onde ele era professor".

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