O homem Tom Ford

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Alessandro Bianchi/REUTERS

Realizador e actores impecavelmente de negro. Mas a moda ficou de lado na estreia do designer Tom Ford na realização: "A Single Man", baseado em Christopher Isherwood. Ford já não vai esquecer Veneza.

O homem Tom Ford veste de preto, a mulher também, e assim estavam ontem em Veneza Ford, Julianne Moore, Colin Firth, o actor que faz de namorado dele, Nicholas Hoult, e o actor que faz de aluno dele, Matthew Goode. Todos impecavelmente Ford, mas desta vez produzidos pela Fade to Black, a produtora de um designer que é agora realizador, o de "A Single Man" - último filme a ser exibido em competição no festival. Mas a verdade é que se arrumou logo a moda.
"A moda é qualquer coisa de fugidia, é comércio. Este filme, sobretudo sendo o meu primeiro filme, é uma forma de expressão pessoal. O cinema é a coisa mais permanente que existe. Trata-se de criar um mundo selado, que vai existir para sempre", disse Ford.

Dessa ambição de expressão pessoal e da típica crise espiritual de alguém que cedo dominou o seu mundo material nasceu a adaptação de "A Single Man", a obra de Christopher Isherwood. Que Ford lera nos anos 80. O melhor que se pode dizer desta sedutora estreia na realização, é que este Ford cria, realmente, um mundo hermeticamente selado, até porque a prosa de Isherwood, basicamente, é a cabeça de uma personagem: um professor, inglês expatriado em Los Angeles - são os anos 60 -, que não ultrapassou o luto pela morte do seu companheiro de 16 anos.

Nesse mundo em que Colin Firth se veste de negro, retirado da vida (lá fora é a Guerra Fria, o medo dos comunistas, o medo...), só entra, numa "folie a deux", Julianne Moore, como ele expatriada, como ele sozinha (uma antiga amante, as coisas não deram certo, foi o princípio de uma bela amizade).
E entra, claro, o fantasma do morto. E um aluno, que abre as paredes da redoma onde este professor decidira acabar os seus dias - literalmente, o suicídio.

Foram cinco semanas de rodagem, quase sempre à noite, e nestas coisas dos filmes as difíceis condições de produção podem ajudar. Garantiram a intimidade desta "character piece" fantasmagórica, porque este é um filme de personagens, é o que se joga em "A Single Man"; fizeram com que a criação de um mundo interior em que o exterior é só sugerido se fizesse de forma geral sem desperdícios de recriação: é bonita, por exemplo, a sugestão de indícios de uma era em que um homem que desistiu se recusa a viver - no melhor plano do filme, um par de olhos arregalados de terror enchem o ecrã, a câmara recua, é um poster de cinema na rua, um carro estaciona, é o cartaz de "Psycho", é Janet Leigh.
A reacção na sala a "A Single Man" foi mais do que simpática, a reacção a Ford e a Colin Firth, o Mr. Darcy de "Pride and Prejudice", na conferência de imprensa foi até entusiástica. Gritou-se pelo Leão de Ouro, o que é pedir mesmo muito. Mas Ford ja não vai esquecer Veneza.

O belga Jacob Van Dormael também tem os seus fãs, os fãs de "Toto le Heros" (1991) e de "O Oitavo Dia" (1996), o seu último filme, que foi há 11 anos. Tem um novo, "Mr. Nobody" (competição), em que um homem do futuro (Jared Leto, que quando velhote é uma réplica do velho de "2001 Odisseia no Espaço"), o último mortal a viver na terra - porque todos entretanto já conquistaram a imortalidade -, reinventa a sua vida, que agora, imaginada, não é um mundo de opções e de escolhas mas um furioso festim de possibilidades. Um filme também é, de facto, o seu modo de produção. Vejam só este caso: seis meses de rodagem, pós-produção longuíssima, só a montagem um ano.

Ou seja: não é tanto um filme realizado, é mais um filme pós-produzido. Em que tem de haver acontecimentos em cada canto do plano (coisa que às tantas deixa de fazer sentido aqui, o plano), um fogo de artifício qualquer sobre a vida e a morte. "Será que um estranho do outro lado do planeta, sem querer, alterou o curso da tua vida ao cozer um ovo?", foi uma das perguntas que o simpático Dormael, ex-clown de um circo, coloca no seu index das razões, das dúvidas, por trás deste filme. Não saberemos responder a Jacob sobre isso do ovo. Poderemos apenas contribuir com a nossa experiência de espectadores de "Mr. Nobody": foi muito dificil encontrar um filme no meio da abundância poética.
Mas como se disse Jacob tem os seus fãs. E alguns podem estar no júri da competição desta edição.

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