Torne-se perito

Os padres entre o modo de vestir, a solidão e as metáforas

Simpósio do Clero rejeitou ideia dos padres funcionários ou gestores de empresas e insistiu na necessidade de formação permanente

a O modo de vestir dos padres pode ajudar a compor um retrato. Quando a missa acaba, os cerca de mil padres presentes parecem um corpo único que se move: o branco das alvas é uniforme. Já fora da Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima, retiradas as vestes litúrgicas, há quem apareça de cabeção (variando entre o fato preto ou mais ligeiro para o azul e o cinzento). Dois ou três insistem na batina negra, muitos escolhem gravata (por vezes com uma pequena cruz na lapela), mas a maior parte (ainda) prefere roupa informal.
No simpósio, está quase um terço dos cerca de 3500 padres portugueses. São os mais novos quem mais usa o traje eclesiástico. Como Ricardo Cardoso, de 25 anos, de Montemor-o-Novo, ordenado em Novembro do ano passado. Veste de azul-escuro, com cabeção. No grupo com quem conversa, há mais quatro padres jovens, todos com igual indumentária. "A forma de vestir não é essencial, é um sinal", diz ao PÚBLICO, durante o Simpósio do Clero, que decorreu em Fátima de terça a sexta-feira.
"Alguém que vá na rua tem direito de saber que sou padre, pode precisar de mim. O essencial é a visão do mundo e da Igreja", acrescenta o padre Ricardo. Não coincide a forma de vestir com esse modo de ver? "Num mundo em que tudo é homogéneo, é importante saber que há rostos."
"Há um claro retorno ao traje eclesiástico", diz o padre Joaquim Santos, de 45 anos, director espiritual do Seminário Maior do Porto. "Mas a diversidade é saudável. Importante é que ele não seja abolido nem imposto. O estreitar de vistas é que é perigoso."
Os dois grupos
Quanto às vistas, o patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, definiu, no simpósio, dois grandes grupos de padres: os conciliares e os que se definem como identitaires ("identitários", mas "cuja tradução em português não nos diz muito").
O cardeal explicava: os jovens que hoje escolhem ser padres "vêm do mundo à procura da Igreja", ao contrário do que se passava antes das reformas do Concílio Vaticano II (1962-65). Mas a Igreja pós-conciliar "não os atrai e muitos mostram-se igualmente incapazes de mergulhar na profundidade dos documentos conciliares para descobrirem o verdadeiro rosto da Igreja renovada".
Não admira, acrescentava o patriarca, "que busquem a autenticidade da Igreja em sinais e expressões da Igreja pré-conciliar, que eles não conheceram, e que não podem, por isso, viver na verdade que tiveram no tempo justo".
Amedeo Cencini, de 59 anos, formador e professor na Universidade Salesiana, em Roma, admitia, em declarações ao PÚBLICO, que junto dos mais jovens padres há "uma atracção pelo privado, no modo de entender a liturgia ou o sagrado". Daí que seja importante um modelo de formação permanente do clero que "resista à tendência da juventude de hoje".
Os dois grupos coexistem nas dioceses portuguesas, notava ainda o patriarca de Lisboa. "Mas não convergem numa visão da Igreja e na compreensão dos caminhos da missão." E há um "diálogo de surdos entre padres que se pretendem 'conciliares' e os jovens sacerdotes que se afirmam identitaires", acrescentou, citando um bispo francês.
Ser padre, hoje, é ser muita coisa. Na mesma intervenção, o patriarca manifestou a sua preocupação porque "muitas vezes" o padre "assemelha-se mais a um gestor de empresas do que ao pastor que conhece as pessoas". Mas há os padres que são professores, os que exercem como jornalistas na imprensa católica, os que administram instituições sociais...
O presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, D. António Francisco dos Santos, responsável pelo simpósio, diz que as tarefas que não são exclusivas dos padres devem ser confiadas aos leigos. "Os padres não podem ser activistas, têm que se centrar no essencial."
Há 16 anos, no primeiro simpósio, queixavam-se os participantes (cerca de 500) do problema da solidão. "A fraternidade está por vezes ausente do presbitério", o conjunto dos padres, diz José Augusto Cardoso, de 54 anos, pároco de Nespereira (Cinfães) há 23 anos - "já queria sair!" - e professor de Educação Moral e Religiosa.
"Fomos formados no individualismo e na ideia de que a espiritualidade é recolhermo-nos. Mas a espiritualidade é uma relação de amor com Deus e com as pessoas."
Joaquim Santos admite que os padres estão "cada vez mais longe uns dos outros" e que é "grande o risco de ficar[em] sós". "Mas no ministério sacerdotal, a solidão é essencial. E deve ser "habitada pela presença de Deus, dos colegas, dos amigos. Há muito de poesia nisto. Se não houver metáfora, não há vida sacerdotal."

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