Booker T., 40 anos depois

O "comeback" de Booker T. não é um passo de gigante, mas deu um disco competente.

Nos idos de 60 os Booker T. & The MG's eram o pau para todo o serviço da Stax, maior editora soul da época lado a lado com a Motown. Note-se que a expressão "pau para todo o serviço" peca por escassez: eles eram a baqueta, o baixo, a guitarra e o órgão Hammond para todo o serviço. De dia funcionavam como músicos de sessão da editora, gravando discos de Otis Redding, Wilson Picket e da deusa Carla Thomas (entre outros), desdobrando-se entre r'n'b suado, funk devasso, soul acetinada, gospel crente.

Tinham tudo: cada instrumentista era de um talento ímpar, porém punham a técnica ao serviço da canção, ou, mais propriamente, do vocalista em questão. Eram coesos, sabiam dar espaço à voz, e tinham em Steve Crooper (o guitarrista preferido dos Beatles) um virtuoso capaz de aqui dar balanço, ali lançar riffs de fazer inveja a Jimmy Page e acolá brincar aos psicadelismos. A secção rítmica não provocava apenas suor: sabia quando desaparecer e quando se multiplicar em breaks e linhas de baixo omnipresentes. E depois havia Booker T., mestre do Hammond, rei dos ganchos imbatíveis. À noite, depois de tocarem nos discos das estrelas, os quatro gravavam os seus próprios discos: prodígios de imaginação, de linhas melódicas impagáveis, como a de "Chicken pox", em que o órgão imita o "boc-boc-boc" de uma galinha, criando um ritmo irresistível. ("Melting Pot", de 71 e "Green Onions" de 62 são as obras-primas de Booker T. & The MG's.) Quarenta anos depois de a Stax ter tido o seu momento alto, a Anti tem tentado, de um ponto de vista revivalista, imitar o sistema de linha de montagem da antiga editora soul de Otis Redding, pegando em antigas estrelas da soul e pondo-as nas mãos da banda caseira, os Drive By-Truckers.

Com eles está, em nove das dez canções, a guitarra de Neil Young. As linhas de órgão continuam belíssimas, pese embora menos inesperadas. Isto é r'n'b (nas suas mais variadas derivações) sempre bem esgalhado, sempre capaz de nos pôr a bater o pé: há bons riffs, boas malhas de órgão, blues bem balançados. Mas falta aqui uma boa dose da loucura que emanava dos discos dos MG's, porque antes de mais os Drive By-Truckers são uma banda country-rock. Por exemplo: a última coisa de que um disco de Booker T. precisa é uma linha de slide guitar melancólica como a de "Reunion time". Mas há grandes momentos: em "She breaks", uma eficaz malha de guitarra permite que o Hammond desenvolva linhas e linhas melódicas viciantes, sempre em mutação; a versão de "Get behind the mule" (original de Tom Waits) é extraordinária, começando como exercício de blues disfuncional e nocturno, acabando quase como um exercício de música exótica; e "Potato hole" faz lembrar os velhos discos de Booker, tudo ritmo, cabeça, pescoço, ombros, tronco a gingar ao sabor daquele órgão que nunca se sabe para onde vai. Já foi um gigante, agora faz discos competentes. Há fortunas mais injustas.

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