O que comer a caminho de Marte?

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Exemplo de uma refeição que se comia a bordo do SkyLab em 1973

Não é daquelas viagens em que basta levar uma cesta de piquenique. Para uma missão que nunca irá durar menos de três anos e imaginando que não há restaurantes em Marte, é preciso preparar mais de 20 mil refeições que sejam nutritivas, resistentes e saborosas.

Michele Perchonok sentou-se a contemplar uma embalagem de macarrão com queijo congelado à porta da cozinha de testes no Centro Espacial Johnson, da NASA, em Houston. Este prato foi servido incontáveis vezes no Space Shuttle e na Estação Espacial Internacional. Quando os astronautas estão tão longe de casa, é este o conforto culinário que desejam.Mas este prato não vai estar na ementa quando os astronautas estiverem a caminho de Marte por volta de 2030. Esta embalagem transparente não é impermeável à humidade e ao oxigénio e, por isso, a pasta pode ficar estragada antes de ser consumida. Alternativas simples, como embalagens de alumínio, estão fora de questão. São demasiado pesadas.
"É um problema que queremos resolver até 2015 ou 2016", diz Perchonok, directora do programa de tecnologia alimentar avançada da NASA. É apenas uma das muitas questões que ela e o seu staff de 15 cientistas têm de analisar enquanto tentam criar um menu que seja suficientemente leve, nutritivo, saboroso e que aguente uma missão de vários anos ao Planeta Vermelho.
Há muitas barreiras tecnológicas que a NASA tem de ultrapassar antes de enviar seres humanos em viagem interplanetárias: os engenheiros aeronáuticos terão de controlar a tendência do Ares 1 (launch vehicle) em abanar violentamente depois da descolagem; os especialistas em usabilidade têm de criar fatos espaciais mais ágeis; os cientistas de materiais têm de desenvolver uma substância que absorva o calor intenso que o Orion Crew Vehicle vai gerar quando ultrapassar a atmosfera terrestre a 40 mil quilómetros por hora.
A tarefa da equipa de tecnologia alimentar pode não ser ciência de foguetões, mas é, à sua maneira, intimidante, e igualmente crucial para o sucesso da missão a Marte.
Imaginem ter de embalar mais de 6570 pequenos-almoços, almoços, refeições ligeiras e jantares, todos de uma vez - refeições suficientes para alimentar seis pessoas todos os dias durante mais de três anos. Imaginem preparar todas estas refeições com uma dose de 1,4kg de comida diária por pessoa, cerca de menos de um terço do que o americano médio come por dia na Terra. Imaginem que cada prato precisa de aguentar cinco anos numa prateleira. E imaginem ter de transportar tudo isto para uma mesa de jantar que fica a 88,5 milhões de quilómetros de distância, onde o equipamento de cozinha vai ser, na melhor das hipóteses, rudimentar. Perchonok não apresenta qualquer sinal de pânico. Criar uma ementa para Marte é um problema científico, para ser resolvido como qualquer outro.
"Vamos lá chegar, porque não há missão se não conseguirmos, e eu não quero ser a responsável por isso", diz.
Se pensarem em comida de astronauta, provavelmente surgem-vos imagens de gelado leofilizado ou Tang (um sumo que foi inventado pela General Mills Corp e não pela NASA).
As primeiras aventuras americanas no espaço não duravam tempo suficiente para se preocuparem com comida. Se os voos fossem mais prolongados, os primeiros astronautas levavam uma iguaria que tinha sido desenvolvida para os pilotos dos aviões-espião U2. "Era uma espécie de pasta de dentes com um puré de vegetais - basicamente aquela comida para bebés que vem em frascos", diz Paul Lachance, professor de Nutrição retirado que trabalhou no programa de alimentação da NASA nos anos 1960.
Algumas questões nos primeiros voos eram básicas. "Será que as coisas iam flutuar ou iriam pelo sítio errado? Não queria que ninguém sufocasse", recorda Lachance. Quando começaram as missões Apollo, as refeições pareciam mesmo comida a sério: pequenas salsichas desidratadas e salada de frutas para o pequeno-almoço e esparguete com molho de carne para o jantar.
Hoje em dia, a cozinha espacial é bastante mais sofisticada. Os pratos favoritos numa missão ou na estação espacial incluem cocktail de camarão leofilizado, fajitas irradiadas e bolo de cereja e frutos silvestres. No entanto, algumas comidas mais mundanas continuam longe do alcance da NASA. Ainda não conseguiram desenvolver uma pizza em gravidade zero porque a massa precisa de ser conservada de maneira diferente em relação aos outros ingredientes. E também não conseguem fazer um cheesecake que consiga sobreviver ao processo de conservação sem ficar duro.
Apesar de o sabor ser uma prioridade, a maior preocupação é a segurança alimentar dos astronautas que estarão bem longe do alcançe de ajuda médica avançada. A NASA tem várias estratégias para manter a comida comestível durante dois anos, como é exigido para a estação espacial.
Os alimentos cozinhados são colocados numa embalagem de folha metálica flexível. O calor do processo destrói os microrganismos e faz com que a embalagem conserve a comida de forma prolongada, como os enlatados. Leofilizar a comida tira às bactérias e outros organismos a água que precisam para se multiplicarem.
Mas a comida que for para Marte tem de durar mais tempo.Leva pelo menos seis a oito meses para voar até Marte quando os dois planetas estão mais próximos, e é muito provável que os astronautas fiquem em Marte por um ano e meio até que os planetas voltem a ficar próximos. Se a NASA decidir mandar comida antes numa cápsula separada, as refeições têm de durar, pelo menos, cinco anos.
Pode ser seguro comer algumas coisas do menu da estação espacial durante esse período. Mas é provável que nenhuma seja muito apetitosa depois desse tempo todo.
A reacção Maillard, uma interacção química entre aminoácidos e açúcares, faz com que a comida fique castanha, mesmo que esteja dentro de uma lata ou de outro tipo de embalagem. Ou uma pequena dose de ar pode provocar oxidação, que torna a comida rançosa e provoca degradação das vitaminas e dos minerais. Se alguma água entrar em contacto com uma embalagem, pode aumentar a actividade microbiológica e alterar a cor da comida, o seu sabor e textura.
Para adiar a inevitável degradação química, a NASA está à procura de uma tecnolgia menos agressiva que destrua os elementos patogénicos com menos calor para que a comida leve mais tempo a degradar-se. Um dos melhores candidatos é um processo de esterilização que se baseia mais em pressão que em temperatura.
Outra tecnologia promissora combina radiação de microondas com calor de água para esterilizar as embalagens com alimentos em cinco a oito minutos, em vez dos habituais 40 a 60. A comida parece mais fresca e dura mais tempo porque é submetida a altas temperaturas durante muito menos tempo.
Apenas após a descoberta das tecnologias ideais de conservação e embalagem é que os cientistas alimentares se podem concentrar em recalibrar velhas receitas e criar novas. Pernochok diz que vão começar a pensar nas receitas lá para 2013.
Entretanto, os cientistas estão a estudar as vantagens e desvantagens de complementar as refeições embaladas com frutos e vegetais frescos. A NASA começou a plantar vegetais no espaço nos anos 1960 e uma equipa no Centro Espacial Kennedy, na Florida, tem estado a desenvolver uma cúpula na nave onde os astronautas possam ter colheitas de alfaces, tomates, cenouras e cebolas. "Isso iria contribuir imenso para a qualidade de vida e para a melhoria da dieta", observa Ray Wheeler, responsável pelo projecto.
Pernochok admite que a sua equipa pode não alcançar alguns dos seus objectivos, mas, sendo a NASA, há sempre um plano B. Se não houver nenhuma forma de eliminar as pesadas embalagens de metal, por exemplo, a equipa vai reforçar a sua versatilidade perante quem está a planear a missão. "Como embalagens para guardar amostras de solo marciano", ou, acrescenta a cientista, "para a roupa suja". a

Exclusivo PÚBLICO/Los Angeles Times

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