De génio e de louco Ahmadinejad tem um pouco?

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O Parlamento do Irão poderá desferir, esta semana, um duro golpe a Mahmoud Ahmadinejad, se chumbar alguns dos ministros do seu novo governo. O Presidente reeleito não parece preocupado. Acredita que tem um halo divino e é invencível na missão de "apressar o regresso do Messias". Por Margarida Santos Lopes

a Ahmadinejad, o quarto filho de Ahmad e Syedeh Khanum, nasceu Mahmoud Sabaghian a 28 de Outubro de 1956 em Aradan, no sopé das montanhas Alborz. Viviam num casebre de adobe tão frágil que, quando ruiu, passou a ser usado pelos vizinhos como galinheiro. Naqueles tempos em que senhores feudais eram donos das terras e dos que nelas trabalhavam, Ahmad teve uma mercearia e depois uma barbearia, mas fechou-as porque não ganhava para o sustento. Por volta de 1958, sem ocupação e sem dinheiro, juntou-se aos que fugiam dos campos para as cidades e foi para Narmak, subúrbio de Teerão, trabalhar como ferreiro na construção civil.
Se foi difícil trocar Aradan por um quarto alugado em Narmak, mais terá sido a decisão de mudar de apelido. Sabaghian (ou Saborjhian) significa, em persa, "mestres tintureiros", sugerindo que os antepassados laboravam no negócio de tingir lã para tapetes. Esta actividade associada às zonas rurais era olhada com desdém pelos naturais de Teerão, que chamavam aos imigrantes do interior dehati, expressão depreciativa para "camponeses".
A mudança de nome (cuja origem judaica tem sido especulada mas não confirmada) indiciaria um corte com o passado. "Ahmadi" deriva de Ahmad (Justo), um dos títulos do mensageiro de Alá, e de Hamd (Elogio de Deus). "Nejad" significa "raça". As duas palavras conjugadas, Ahmadinejad, podem traduzir-se por "da raça de Ahmadi" ou "da raça do profeta Maomé".
O bom aluno
Em Narmak, onde Syedeh Khanum (literalmente, "senhora descendente do profeta") deu à luz mais três filhos, num total de sete, quatro raparigas e três rapazes, Mahmoud Ahmadinejad frequentou a escola primária pública de Sa'adi e o (mais caro) liceu privado de Daneshmand. É recordado por colegas como um rapaz inteligente, estudioso e obediente. Acordava muito cedo para rever os apontamentos e era sempre pontual.
Se era aplicado nos estudos, Mahmoud também gostava de jogar futebol, rondar a escola das meninas com a sua bicicleta branca, escalar as montanhas e fazer piqueniques. Os amigos ainda o levavam ao cinema para ver filmes (ocidentais) de animação, mas nunca o terão convencido a beber cerveja e vodka depois das orações da tarde.
Mahmoud terminou o liceu como melhor aluno em muitas disciplinas. Em 1975, concorreu à universidade numa altura em que os testes de admissão eram extremamente duros. A meio do exame, sob intensa pressão psicológica, o nariz começou a sangrar. Não desistiu e ficou em 132ª lugar entre 200 mil candidatos a dez mil vagas. Foi uma posição inferior à que aspirava ("um dos dez melhores"), mas ainda assim distinta.
As boas notas ter-lhe-iam permitido frequentar qualquer universidade, e foi aceite por várias, incluindo a prestigiada Amir Kabir. Por ser perto de casa, optou pelo instituto politécnico de Narmak, mais tarde designado Universidade de Elm-o-Sanat (Ciência e Tecnologia). Inscreveu-se no curso de engenharia civil e começou aqui a sua carreira política.
Na universidade, Mahmoud Ahmadinejad tornou-se discípulo do filósofo Ali Shariati e do ayatollah Ruhollah Khomeini, ambos opositores do Xá. Clandestinamente, fazia passar de mão em mão os livros proibidos de Shariati, em particular Islamologia - onde o islão é definido como uma ideologia política (de esquerda) e não apenas religião. Também distribuía os sermões do exilado Khomeini, pregando em cassete o conceito de velayat-e faqhi, ou república governada por um mullah.
O revolucionário
Em 1979, quando 2500 anos de monarquia chegaram ao fim, Ahmadinejad e os seus dois irmãos, todos "dissidentes", passaram a integrar os "Comités Revolucionários". À entrada da casa em Narmak - ainda viviam todos juntos, os homens no piso de cima e as mulheres no de baixo -, ergueram uma barricada de sacos de areia e numa esquina montaram um posto de vigia. Policiavam o bairro com armas roubadas dos paióis do Exército.
Por esta altura, Mahmoud estava ligado à sociedade islâmica Hojatieh, dedicada ao culto do "12º Imã desaparecido" do islão xiita e à perseguição da comunidade Baha'i. Estes laços criaram-lhe um dilema. Para os seguidores do Hojatieh, só o Mahdi (Messias), quando regressasse, poderia criar um Estado islâmico ideal; Khomeini, por seu lado, defendia maior envolvimento dos religiosos na política. O conflito de Mahmoud resolveu-se quando o ayatollah renegou a Hojatieh como "aberração", e a seita, oportunista e sem escrúpulos, se acomodou ao novo regime.
Sem a Hojatieh, Mahmoud virou-se para as sociedades islâmicas de direita que se agitavam nas universidades. Rapidamente chamou a atenção do ayatollah Mohammad Beheshti, um dos membros do círculo restrito de Khomeini, que o colocou na liderança da Organização para a Consolidação da Unidade (OCU), onde conheceu os homens que viriam a ser os seus mentores, Ali Khamenei, e o seu rival, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani.
Na OCU, cujo objectivo era erradicar a ameaça que os grupos marxistas e da esquerda islâmica representavam para o poder supremo de Khomeini, o jovem Mahmoud enfrentou um excepcional desafio. Quando foi necessário aprovar a ocupação da Embaixada dos Estados Unidos em Teerão - para mostrar que a direita era tão ou mais "progressista e anti-imperialista" que a esquerda -, ele e outro membro da OCU votaram contra.
A acção contra o "ninho de espiões" foi levada a cabo sob a bandeira dos Estudantes Seguidores da Linha do Imã. Khomeini deu a sua bênção ao facto consumado. Mahmoud ficou de fora: achava que o "grande Satã" era a União Soviética comunista; os EUA eram apenas um "pequeno Satã".
Uma fotografia a preto e branco dos sequestradores, publicada durante as presidenciais de 2005, levou a que alguns dos 52 antigos funcionários da embaixada, reféns durante 444 dias, identificassem um dos estudantes barbudos como sendo Ahmadinejad. A CIA analisou a imagem e garantiu que não. Ele não foi um dos líderes da ocupação, mas poderá ter conduzido interrogatórios a vários cativos na prisão de Evin.
A OCU voltaria a enfrentar divisões em 1980, quando Khomeini ordenou o encerramento de todas as universidades, depois de um violento assalto à de Teerão, por as considerar um bastião do secularismo contra a instauração da teocracia. Desta vez, os que se opuseram foram os Estudantes Seguidores da Linha do Imã, receosos de que a chamada "revolução cultural" minasse a união com a esquerda durante a ocupação da embaixada. Ahmadinejad, pelo contrário, integrou um dos "comités de selecção", encarregado de garantir as credenciais islâmicas dos candidatos às universidades.
Marido e pai
As actividades "revolucionárias" interromperam os estudos de Ahmadinejad mas não lhe afectaram a vida amorosa. Em 1980, aos 24 anos, casou-se no campus da Universidade de Elm-o-Sanat com a sua colega Farahani, ainda mais religiosa do que ele. Com uma licenciatura em engenharia mecânica e um mestrado em Educação, Farahani anda sempre coberta com o chador negro. Só foi vista em público pela primeira vez em 2006, durante uma visita oficial do marido à Malásia.
O casal tem três filhos - uma rapariga (a engenheira eléctrica Zahra) e dois rapazes (o engenheiro civil Mahdi e o estudante de engenharia mecânica Alireza). Vivem num antigo palácio do Xá, agora residência de presidentes, na Avenida Pasteur, em Teerão. Da sala de estar retiraram os móveis, as mesas, as cadeiras, os sofás. Moradores e visitantes sentam-se nas carpetes, apoiados em almofadas.
Foram "razões de segurança" que ditaram a mudança de um apartamento de três quartos, em Narmak, e a troca do seu automóvel Peugeot, comprado há 30 anos e sem ar condicionado, por um jipe blindado com motorista. Um ritual que Mahmoud ainda repetirá é o de levar uma lancheira com o almoço cozinhado pela mulher. Hábito de "homem do povo" dado a conhecer quando estava na Câmara, onde trocou um gabinete luxuosamente decorado pelo antecessor reformista pela modesta sala da secretária.
O governador
Em 1980, com o país mergulhado num clima de guerra civil - mais de 6000 pessoas executadas por um regime paranóico -, Ahmadinejad foi convidado a ser governador distrital de Maku por um antigo colega da Universidade de Elm-o-Sanat e hoje, provavelmente, o mais poderoso conselheiro presidencial, Motjaba Hashemi Samareh.
Distrito do Azerbaijão Ocidental, fronteiriço com Turquia e a Arménia, Maku tinha 70 mil habitantes divididos entre azeris xiitas de expressão turca e curdos sunitas. A missão de Ahmadinejad era forjar uma aliança com os xiitas, tranquilizar os curdos e cooperar com os Pasdaran (Guardas da Revolução) na luta contra a guerrilha do Partido Democrático do Curdistão (iraniano).
Em Setembro de 1980, quando o governador persa procurava vencer desconfianças locais, o Exército iraquiano invadiu o Irão, no sul da fronteira conjunta, ocupando grande parte da província do Kuzestão, de maioria árabe. Os peshmerga (combatentes curdos) em Maku viram na incursão de Saddam Hussein - que iniciou oito anos de guerra - a oportunidade de realizar o sonho de um Estado que incluísse os curdos do Irão, do Iraque, da Síria e da Turquia.
Ahmadinejad pediu ajuda aos Guardas da Revolução, aos quais estava ligado desde a criação deste corpo paramilitar, em 1979, e foi implacável. Em 1983, quando o designaram conselheiro do governador-geral de Sanandaj, centro da província do Curdistão iraniano, após dois anos como governador distrital em Maku e outros dois como governador distrital de Khoy, no Azerbaijão Ocidental, já havia suprimido a insurreição curda, com milhares de mortos.
O guarda da revolução
Em 1986, sem sobressaltos em Sanandaj e com a reabertura das universidades, Ahmadinejad decidiu terminar a licenciatura e cumprir os dois anos de serviço militar obrigatório em atraso. Juntou-se aos Guardas da Revolução no Quartel-General de Ramazan, em Kermashah, a mais curda das províncias do Sul.
Tal como aconteceu em 1979, com a ocupação da Embaixada dos EUA, está envolta em mistério a participação de Ahmadinejad numa das mais emblemáticas operações das Forças Especiais de Ramazan. Em 18 de Setembro de 1987, quando Teerão precisava desesperadamente de uma vitória militar, um comando dos Pasdaran infiltrou-se 180 quilómetros no interior do Curdistão iraquiano (Norte) e incendiou a refinaria de petróleo de Kirkuk, que abastecia as tropas de Saddam.
Para Ahmadinejad, que teria integrado a equipa de apoio logístico aos rebeldes da União Patriótica do Curdistão (iraquiano), esta terá sido a missão de combate mais "heróica" - só sobreviveram três dos sabotadores. O que é intrigante é nunca ter publicado fotos suas desse período, uma vez que nas campanhas eleitorais é sempre apresentado como "veterano de guerra".
Uma coisa é certa, os dois anos de Ahmadinejad no Quartel-General de Ramazan permitiram-lhe uma rede de contactos cruciais para ascender à presidência da Câmara de Teerão, em 2003, e da República, em 2005 e 2009. O terreno começou a ser preparado em 1993 quando o ministro do Interior Ali Mohammad Besharati o nomeou governador-geral da província de Ardabil, no Noroeste.
O neoconservador
A agenda em Ardabil era clara: mobilizar os mullahs, o bazar, os Pasdaran e a milícia Basij para que a "linha dura" voltasse a ocupar a chefia do Estado. O candidato de Besharati era Ali Akbar Nategh-Nouri, presidente do Majlis (Parlamento) e Ahmadinejad tudo fez para que ele fosse eleito, desde afixar cartazes até vender ilegalmente petróleo refinado ao Azerbaijão, para obter fundos.
O esforço foi inglório. Nas presidenciais de 1997, convencidos de que a vitória de Nategh-Nouri estava assegurada, muitos potenciais eleitores não votaram. Venceu por esmagadora maioria o reformista Mohammad Khatami, que logo substituiu todos os governadores, entre eles, o de Ardabil.
Com tempo livre, Ahmadinejad regressou à Universidade de Elm-o-Sanat, onde fez o doutoramento em engenharia de transportes e planeamento (com uma tese sobre "asfalto a frio"), e retomou o emprego de professor assistente.
Em 1999, quando surgiu a oportunidade de eleições locais, Ahmadinejad concorreu ao conselho municipal de Teerão, com o apoio de dois blocos conservadores. Recebeu apenas 100 mil votos e ficou em 23º lugar. Não esmoreceu e, nas legislativas de 2000, integrou a lista de uma coligação de grupos direitistas. Mais uma vez, os candidatos reformistas obtiveram o controlo do Majlis.
Nas presidenciais de 2001, quando Khatami foi reeleito, os consternados ultraconservadores reagiram com todos os meios ao seu dispor. Usaram o sistema judiciário para fechar jornais críticos, os tribunais para prender reformistas, o Conselho dos Guardiões para vetar leis aprovadas pelo Parlamento, as milícias Basij e Ansar-e-Hezbollah para intimidar estudantes e partidos políticos.
Ahmadinejad fazia parte de toda esta estratégia, delineada em reuniões secretas do movimento neoconservador Abadgaran Iran-e Islami (Construtores do Irão Islâmico). Nas eleições locais de 2003, esta coligação conquistou a maioria no conselho municipal de Teerão, onde só perdeu um lugar. Em 3 de Maio, com 12 votos a favor, duas abstenções e dois votos contra, Ahmadinejad foi eleito presidente da Câmara.
Nas legislativas de 2004, beneficiando da apatia e divisões no campo reformista, os conservadores voltaram a ganhar, passando a dominar o Majlis, pela primeira vez desde 1979.
O presidente
Em 2005, o laico Ahmadinejad candidatou-se ao lugar de Khatami, um seyed de turbante negro, defensor de um diálogo de civilizações e de uma democracia islâmica. Sob o lema "Nós podemos fazer", apresentou um programa centrado na economia e quase omisso em questões religiosas. Não foi fácil.
Aconselhado pelo seu próprio campo a desistir, Ahmadinejad recusou e fez bem. Mohammad Baqer Qalibaf, candidato favorito do Supremo Líder, ayatollah Khamenei, caiu em desgraça com dois erros: exigiu uma investigação às fontes de rendimento dos Guardas da Revolução e descreveu-se como um "Reza Khan hezbollahi". A comparação com o primeiro Xá Pahlavi apavorou os mullahs, já inquietos com as sondagens que davam uma vitória a Rafsanjani.
Poucos dias antes do escrutínio, Khamenei convocou uma reunião de alto nível e deu ordens para que Ahmadinejad fosse eleito. Agentes das forças de segurança infiltraram-se nas secções de voto e arranjaram mais "seis milhões de boletins" para assegurar o resultado pretendido. Rafsanjani foi inesperadamente batido.
As "irregularidades grosseiras" foram repetidas nas presidenciais de Junho último, mas desta vez, e apesar de violentamente atacada, a oposição não silenciou os protestos contra a "vitória roubada" a Mir-Hossein Mousavi, um conservador moderado, apoiado por Rafsanjani e pelos reformistas.
O messiânico
Para Ahmadinejad, o seu sucesso não se deve a uma fraude organizada, como alegam os adversários, mas à "bondade especial do Mahdi", cujo "regresso iminente" ele prepara com afinco para mudar o Irão e o mundo, sem fazer compromissos.
Esta obsessão com a chegada do Messias faz parte, segundo o historiador iraniano Ali Ansari, de uma "estratégia de hegemonia" que assenta em quatro componentes: populismo político e económico, repressão, crise permanente nas relações externas e culto da personalidade do Presidente.
O último Xá também dizia que os imãs xiitas lhe apareciam em sonhos, mas o misticismo de Ahmadinejad, sob influência do temível ayatollah Mohammad Taqi Mesbah-Yazdi, seu guia espiritual, parece superar tudo. Em 2004, ordenou secretamente a construção de uma grande avenida em Teerão por onde passaria o Mahdi; um ano depois, atribuiu 17 milhões de dólares à mesquita de Jamkaran para atrair seguidores desta mitologia; em 2006, foi ainda mais longe.
Na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, concluiu o discurso com uma prece suplicando "a vinda do Prometido". Num posterior encontro (gravado em vídeo) com o ayatollah Javadi Amoli, na cidade santa de Qom, Ahmadinejad disse que alguém na audiência tinha visto um halo verde à volta da sua cabeça. "Eu próprio o senti", exultou. "A atmosfera na sala mudou durante 27-28 minutos, e nenhum dos líderes pestanejou."
Perplexo, Amoli aconselhou friamente o Presidente a concentrar-se nas suas promessas eleitorais, em vez de querer usurpar a prerrogativa dos mullahs de serem a consciência moral da nação.

Fontes: Ahmadinejad - The Secret History of Iran's Radical Leader, Kasra Naji; Iran - Under Ahmadinejad - The Politics of Confrontation, Ali M. Ansar; The Nuclear Sphinx of Tehran - Mahmoud Ahmadinejad and The State of Iran, Yossi Melman e Meir Javedanfar; The Ayatollah Begs to Differ - The Paradox of Modern Iran, Hooman Majd; Treacherous Alliance - The Secret Dealings of Israel, Iran and the U.S., Trita Parsi.

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