Um gesto com muitos nomes e que vale bem mais do que mil palavras

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a A mímica do, na altura, ainda ministro da Economia no Parlamento durante o debate sobre o Estado da Nação, na quinta-feira, pode ter gerado unanimidade no coro de repúdio que o insulto mereceu junto das forças políticas e das mais altas instâncias da nação, mas a verdade é que dividiu a imprensa nacional. "Cornos", disse o DN; "chifres", apontaram o Correio da Manhã e o PÚBLICO; "corninhos", avaliou o I; "chifres" e "cornos", alternou o 24 Horas; "chifre" (e apenas numa explicação entre parênteses), concluiu discretamente o JN.Mais criativo foi o Jornal Económico, que criou um belo trocadilho para titular Indicadores tramam Pinho. A seguir-se esta lógica, O Crime poderá bem vir a dizer na sua próxima edição que Dedos do gatilho tramaram Pinho... Bom, adiante. Haverá diferença real entre os dois conceitos? Não. De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, "chifres" e "cornos" são sinónimos. Mas a segunda expressão encerra um conteúdo ofensivo bem mais consonante com o que se passou na Assembleia da República.
Para além das descrições físicas do corno em si, ou seja, "cada um dos apêndices duros e recurvados que certos animais têm na cabeça", o dicionário aponta mais uma série de usos correntes da palavra. Algum deles servirá para explicar melhor a expressiva mímica de Pinho? Vejamos.
"Antena de alguns animais que se assemelha na forma a um deste apêndices [cornos] em tamanho pequeno." O ministro embirrava com a lentidão do líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, comparando-o a um caracol? Não parece. "Instrumento de sopro feito a partir de um certo tipo de chifre, trompa." Insinuaria Pinho que os comunistas estavam a dar música ao Governo? Nããã... mais depressa veríamos o argumento ser usado no sentido contrário. "Cada uma das pontas do crescente da Lua." Também não pega. "Flanco dos exércitos." Ainda menos.
Chegamos então ao cerne da questão. "Indivíduo traído pela mulher com quem é casado ou mantém uma relação amorosa." Chamar corno a um homem é coisa séria e merecedora do mais vivo repúdio. Só que aqui falamos de debate (?) político e, mesmo no cenário de descontrolo em que se constituiu a cena, parece demasiado baixo que o alvo fosse a vida particular do deputado comunista.
Mas, e se o insulto se dirigisse ao partido? Se Manuel Pinho estivesse a dizer aos comunistas que estavam com "dor de corno" (outra bela expressão do português popular) por o Governo marcar pontos junto de um eleitorado tradicionalmente apoiante do PCP, como os mineiros de Aljustrel? É melhor pensar que foi isso. O que, ainda assim, não explica por que razão optou o ministro por um gesto tão evidente em detrimento de outro (esticando o indicador e o mindinho de uma mão) bem mais simples, discreto e universal...
Tão universal que é usado tanto por fãs do "heavy metal", numa alusão ao imaginário satânico que tanto inspira este subgénero musical, quanto por líderes políticos americanos (até há quem queira ver aqui uma saudação da Maçonaria) ou brincalhões de todos os estratos sociais em fotos de grupo. Mas não, Pinho pôs mesmo os indicadores espetados a sair da testa. Não se tratando de uma autocrítica, só podia ser com o intuito de visar o(s) seu(s) interlocutor(es).
O que justifica outras versões. O PCP está sempre "a marrar com o Governo", poderia ter sido o desabafo de Manuel Pinho, cansado das críticas, como ele próprio admitiu depois em declarações aos jornalistas. Talvez seja também de ter em conta o facto de, aparentemente, em algumas zonas do país, "boi" e "burro" serem substantivos, no caso adjectivantes, que se confundem quando entramos num registo insultuoso. Um investigador contactado pelo PÚBLICO e que preferiu não ser identificado salienta ainda que este gesto é associado ao bode, "um animal sexualmente promíscuo e de conotações demoníacas".
Talvez só o próprio Pinho possa desvendar mais este tabu da política portuguesa. Até porque especialistas em leitura da fala confessaram-
-se impotentes para perceberem as palavras de Pinho naqueles instantes. Uma coisa é certa: com a divulgação mediática e a comoção pública criada, urge encontrar um nome para o gesto feito por Manuel Pinho. Se um manguito é um manguito, então não podemos passar os próximos meses a falar do "gesto a imitar cornos". Soa mal, dá muito trabalho a escrever. Avancem os linguístas.

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