A noite em que vi Michael Jackson

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Um dia, em 1971, em Cincinnati, o escritor Richard Zimmler viu os Jackson Five

Muitas agências de viagens especializadas, nos Estados Unidos, levam grupos de adolescentes em excursões de Verão, de autocarro, pelo Faroeste, a fim de visitarem parques nacionais como o de Yellowstone e o Grand Canyon. Quando tinha 15 anos, em 1971, eu sonhava ir numa dessas "excursões de adolescentes". Mas tinha um irmão mais velho - então com 25 anos - que estava sem trabalho e que se ofereceu para me levar em viagem. Os meus pais deram autorização.
Assim, numa manhã, no princípio de Julho, ele e eu metemos o nosso equipamento no gigantesco Chrysler do meu pai, que consumia imensa gasolina, e partimos da nossa casa de Nova Iorque para a Califórnia, munidos do cartão de crédito do pai e de mil dólares em "traveller's checks". Depois de pernoitarmos num parque do Estado nas montanhas da Pensilvânia e, depois, em Cincinnati, parámos em St. Louis para ver o Arco e o rio Mississippi. Na tarde do dia da nossa chegada, lemos no jornal que os Jackson Five estavam na cidade e iam actuar nessa noite! Eu adorava os Jackson Five desde que tinha ouvido "ABC", um dos seus primeiros êxitos, cerca de um ano antes, e possuía um dos álbuns deles.

Na escola, os meus amigos e eu costumávamos fazer imitações de Michael - então com 12 anos - a cantar e a dançar "Stop! the Love you Save", a canção deles minha preferida (ainda sei a maior parte da letra, embora o meu falsete já não seja o que foi em tempos). O meu irmão cedeu às minhas súplicas e conseguimos arranjar bilhetes. O que descobrimos ao chegar à sala do concerto foi que, em St. Louis, os Jackson Five eram um fenómeno exclusivamente negro. Na assistência, havia 9998 negros e o meu irmão e eu. O que me surpreendeu foi que não havia uma clara divisão racial como aquela em Nova Iorque. Muitos dos miúdos que frequentavam a minha escola - que era 99 por cento de brancos - pensavam que os Jackson Five faziam grandes êxitos discográficos e dançavam fantasticamente bem, tal como pensávamos que Stevie Wonder, as Supremes e os Sly and the Family Stone faziam grande música. A Motown também era a nossa música. Foi uma sensação estranha estar em tamanha minoria pela primeira vez na minha vida. E foi assustador ao princípio, também. No entanto, embora algumas pessoas nos olhassem com uma expressão bastante hostil, ninguém nos importunou. Quando os Jackson Five apareceram em palco - ao estilo afro, com calças de boca de sino -, a multidão ficou enlouquecida, claro. E o que adoravam ainda mais do que Michael a cantar era ele a dançar. O miúdo conseguia deslizar, pavonear-se e pular de um lado para o outro como ninguém. E conseguia girar e rodopiar sem sequer sair do tom. Os outros irmãos - embora dançassem em perfeita sincronia e tocassem bem os seus instrumentos - já eram apenas estrelas acompanhantes.

O meu irmão e eu estávamos sentados bastante acima na bancada e, à nossa volta, era como se tivéssemos ido a um concerto de gospel numa igreja negra, com toda a gente - senhoras negras bem vestidas, adolescentes, crianças - a gritar: "Solta-te, Michael!"; "Mostra-nos do que és capaz!"; "Vá, Michael, vá!" Lembro-me que ele cantou todos os êxitos do grupo mais uma nova canção, "Going back to Indiana", a qual ele explicou à assistência que havia sido escrita para um programa especial de televisão, que tinham acabado de fazer, sobre o seu regresso à cidade natal, Gary, no Indiana. A canção ficava no ouvido e eu quis ver o programa de televisão, mas suponho que foi para o ar enquanto eu andava em viagem nesse Verão e não o apanhei. E nunca mais voltei a ver Michael actuar ao vivo. Menos de dois anos depois, a voz dele mudou e as suas primeiras tentativas musicais como jovem adulto pareceram patéticas, sobretudo "Ben". Então, saiu "Thriller", em 1982, quando Michael tinha 24 anos, e era evidente que Michael se tinha reencontrado de novo. E a dançar melhor do que nunca. Fiquei feliz por ele - parecia ter feito o quase impossível e ter deixado a sua vida de criança vedeta para trás. Estava obviamente a evoluir para maiores ambições artísticas.

Depois, veio o longo declínio - as cirurgias estéticas, batalhas legais, dedicação arrepiante a crianças e falsas amizades com estrelas de Hollywood. Perdi todo o interesse por ele e pela sua música. Por isso, foi uma surpresa dar comigo tão triste com a sua morte. Que vida louca que ele teve, e como parecia frequentemente tão perdido e inautêntico. Durante estes últimos dias, sempre que via um clip dele na televisão, como ele era nos anos mais recentes, é difícil acreditar que era a mesma pessoa que o rapazinho de expressão doce, dinâmico e com um talento ímpar que eu vi em St. Louis em 1971. Mas era. E esse miúdo tinha sido belo.

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