Pina Bausch A vida a passar por nós

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Pina morreu quando ninguém esperava. A notícia caiu como as pedras - depressa, pesada. Autora do intenso e desesperado Café Müller, tornou-se mais clara e leve com Masurca Fogo. Em palco, dizia, punha a vida, "transparente". Estas peças passaram por cá. Por Lucinda Canelas

Ela fecha os olhos, como sempre em Café Müller (1978), uma das peças mais icónicas que criou. Ela fecha os olhos, nós abrimos. Para seguir os seus braços longos, as mãos grandes, aquele corpo magro - demasiado - que parece não ter medo de nada. Há mesas e cadeiras por todo o lado e Pina Bausch dança entre elas com a mesma naturalidade com que os amigos a viam passear nas praias da Ria Formosa. Serena, intensa, de uma coragem desconcertante, projecta sombras nas paredes que limitam o espaço que Rolf Borzik desenhou. Pina gostou destas fotografias em que quase voa e pediu para ficar com elas. Nós guardámos os 45 minutos de Café Müller na memória, como se Pina tivesse dançado só para nós. Com Viktor, em 1986, Pina Bausch deu início a uma série de criações que partiu de cidades. Istambul (Nefés, 2003) foi uma delas. Com água, muita água, questionou o lugar da mulher na sociedade turca. E a imprensa não gostou. Pina habituara-se a críticas negativas desde as primeiras criações para a Tanztheater Wuppertal, a companhia que dirigiu até ao fim. Respondia-lhes, dizendo: "Quero dar ao público momentos de amor puro."
Na plateia, duas senhoras protestavam em voz baixa porque a coreógrafa "retratava" as mulheres portuguesas com sacos de plástico nas mãos e mal maquilhadas. Na estreia de Masurca Fogo (1998), a peça feita em Lisboa, esqueciam-se que Pina Bausch não faz "retratos". "Ando pelas cidades à procura de uma atmosfera", dizia. Os pares alheados e as mulheres que põem demasiado açúcar no café são flashes da luminosa Masurca.
O espaço cénico tratado como mais um corpo. Nas quatro dezenas de criações que assinou, Pina Bausch soube rodear-se de artistas que partilhavam a sua visão das coisas (Rolf Borzik ou Peter Pabst) e que a ajudaram a materializá-la. Em Nelken, deram-lhe cravos rosa, em Nefés água, n'A Sagração da Primavera cobriram os bailarinos de terra, em 1980, quando Pina chorava pela morte de Borzik, nasceu um relvado.
Jobim está lá, com a Garota de Ipanema, Caetano Veloso levou David Byrne. Água (2001), a peça que dedicou ao Brasil, depois de uma residência artística no Rio de Janeiro, em S. Paulo e na Baía, passou por Lisboa, deixando um rasto de leveza, harmonia e luz. A mesma luz que se enunciara já em Masurca Fogo. Quem viu Água, não pode esquecer este quadro das toalhas, a vegetação luxuriante e uma pequena bailarina que não parava de rodopiar.

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