O que não aprendemos na escola

Fácil de ler, erudita quanto baste, "História dos Judeus Portugueses" é uma obra utilíssima. Porque traça o retrato de conjunto de uma comunidade que marcou a nossa história mas que quase ignoramos

Primeiro aviso: este não é um livro para eruditos ou para estudiosos da história judaica.

Segundo (e mais importante) aviso: este é um livro com que o leitor médio português aprenderá muito. Não porque revele grandes segredos - não há nele qualquer contributo original para a história do judaísmo em Portugal - mas porque permite descobrir uma realidade quase ausente dos livros escolares.Aprendemos a história dos Lusitanos, depois a da nação fundada por D. Afonso Henriques, contam-nos como foi a reconquista, a resistência a Castela e a epopeia dos Descobrimentos. Falam-nos dos Filipes e dos Braganças, das Invasões Francesas e do Liberalismo, da República e do Estado Novo.

Ficamos a saber que somos uma das nações mais antigas da Europa, que há muitos séculos que as nossas fronteiras estão definidas, que somos um povo muito homogéneo que só fala uma língua e quase só pratica uma religião. De passagem falam-nos dos horrores da Inquisição mais depressa para condenar o obscurantismo da Igreja de Roma do que para perceber a influência que teve no nosso destino comum.

De resto pouco ou nada ficamos a saber de um povo que aqui chegou ainda no primeiro século depois de Cristo e teve enorme influência no período em que Portugal conheceu os seus séculos de glória: os judeus. Sabemos que foram expulsos, talvez saibamos que algumas das figuras maiores do Renascimento português, como o astrónomo e cronista Abraham Zacuto era judeu, ou que Garcia de Orta, Pedro Nunes ou Ribeiro Sanches eram cristãos-novos, isto é, judeus obrigados a converterem-se ao cristianismo, mas ignoramos quase por completo que o povo que expulsámos ou obrigámos à conversão forçada formou uma diáspora que, para além de manter a fidelidade à cultura judaica, cultivou a herança, e a língua, das terras onde vivera quase 15 séculos. Uma diáspora que, antes de ser alcançada pelo longo braço da Inquisição, e depois da perda de influência dos Jesuítas, estaria na origem da prosperidade do Brasil nos séculos XVI e XVII, uma diáspora de que saíram nomes como Bento de Espinoza, o filósofo de Amesterdão que foi companheiro de Descartes, ou Joseph Caro, o último dos grandes codificadores da judaísmo rabínico que nasceu em Portugal mas cuja biblioteca ainda podemos encontrar em Safed, perto do mar da Galileia, onde estudou, escreveu e morreu.Com esta "História dos Judeus Portugueses", escrita por um estudioso alemão e publicada originalmente em francês, o leitor comum pode descobrir as singularidades de uma comunidade cuja prosperidade foi apoiada pelos reis portugueses até à sua expulsão e, depois, seguir o seu percurso que raramente os trouxe de volta a Portugal. A pequena comunidade israelita que hoje vive em Portugal poucas relações tem com essa elite que tanto ajudou a fazer Portugal do século dos Descobrimentos e que, por razões oportunistas, ainda tratámos pior do que os espanhóis, impedindo-os de fugir, obrigando-os à conversão e, por fim, entregando-os ao Santo Ofício.

O autor, Carsten L. Wilke, socorreu-se principalmente da muita bibliografia existente sobre a história dos judeus portugueses e, nesta edição, contou ainda com a ajuda do cuidadoso tradutor, Jorge Campos Costa, em diálogo com o qual corrigiu algumas imprecisões da edição original francesa.Fácil de ler, erudita quanto baste, acessível como se pretendia, esta "História dos Judeus Portugueses" é uma obra sem pretensões e, como tal, utilíssima. Sobretudo porque, em traços necessariamente grossos, o retrato de conjunto de uma comunidade que marcou a nossa história mas que habitualmente quase ignoramos ou da qual conhecemos sobretudo relatos dispersos sobre período históricos circunscritos ou a vida de algumas das suas figuras emblemáticas e, por vezes, trágicas.

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