PS à procura de novas oportunidades para Outubro

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O desfazer do palco no Altis, no domingo. Não houve festa no PS Nuno Ferreira Santos

Ontem foi dia de reflexão no PS. A derrota tem muitas leituras e a digestão de ficar abaixo, pela primeira vez, da barreira psicológica do milhão de votos vai demorar algum tempo. Talvez por isso ainda não haja nenhuma data para reuniões partidárias de análise dos resultados eleitorais. Mas a discussão interna já começou.

O PS está em grave risco, como diz Manuel Alegre, ou os resultados têm de ser relativizados face às "eleições de segunda", como defende Santos Silva? Manter o rumo é caminhar para o abismo, dizem alguns. É o PS à procura das suas novas oportunidades.

Primeiro, a leitura dos resultados. "O PS viu desviarem-se os votos em várias direcções: à esquerda, para a abstenção, para os votos brancos e nulos, provavelmente também alguns para o PSD", analisa o dirigente e governante Augusto Santos Silva. Em seu entender, em grande parte os resultados significam "insatisfação, mas não a opção por outras forças políticas", e isso deixa boa margem para recuperar força para as legislativas.

"Em eleições de segunda ordem, os cidadãos sentem-se mais soltos das questões de governabilidade e podem exprimir um voto de protesto que não significa a adesão ao programa do partido em que votaram", considera. Ou seja, não há ainda a opção por uma alternativa de Governo externa ao PS. Além disso, a elevada abstenção permite ao núcleo duro defender que uma boa parte do eleitorado - 62,95% - ainda não avaliou o Governo.

Ideia diferente tem Manuel Alegre, que sozinho arrecadou mais votos nas presidenciais do que o partido inteiro nestas eleições. "Foi um voto de castigo, uma punição de políticas e de um certo estilo", afirma o deputado ao PÚBLICO, frisando que nestes anos de governação foram atingidas "muitas classes profissionais e até o próprio eleitorado natural do PS". Para Alegre, a pressão maior é da esquerda, o que comprova que faziam sentido as suas tentativas de estabelecer pontes à esquerda. Alegre vê nestes resultados "uma vontade de mudança" do eleitorado. Por isso deixa um recado a José Sócrates: "As grandes lideranças são aquelas que são capazes de ler esses sinais e assumir as mudanças."

Mas isso exige uma "humildade democrática" que ainda não é visível no "inner circle" do PS. Assim se explica a declaração de José Sócrates de que o Governo vai "manter o rumo". Ou, como prefere Santos Silva, "o PS deve prosseguir a linha política geral, prosseguir a agenda de reformas, de combate à crise e aposta na coesão social". A incorporação da reflexão dos resultados das europeias, defende, deve ser feita na forma como se vai redigir o programa eleitoral. E, aí, deve incluir-se que a decisão do Congresso de "acentuar as questões de igualdade, de justiça fiscal, de reforço das classes médias são boas decisões", sublinha.

Ideias que vão ao encontro do que ontem escreveu Paulo Pedroso no seu blogue bancocorrido.blogspot.com. O ex-ministro de Guterres defende que se deve "concluir a legislatura com a orientação que teve até hoje, mas dar ouvidos aos eleitores que escolheram as europeias para protestar". Deve "explicar-se melhor" quanto às "reformas dolorosas" mas "indispensáveis", ao mesmo tempo que aprofunda as decisões do último Congresso.

Regresso à política

Mas não chega. Para o soarista Vítor Ramalho, os resultados contêm uma contradição que deve ser aproveitada pelo PS: "Numa altura em que é claro que o comunismo não é solução de futuro e depois da queda do neoliberalismo, é paradoxal e dificilmente aceitável que os partidos que representam aqueles ideais sejam os que mais subiram". O que é, pois, importante, é regressar à política: "Tem de dar-se muita atenção ao ideário, aos reforço das causas, aos valores, transparência e rigor." E isso, sublinha, reside na concepção ideológica dos partidos. Ora, no PS houve "um desajustamento do PS consigo próprio". "Quando não se dá a devida atenção aos partidos, perde-se esse suporte ideológico. O pragmatismo não fornece um plano de acção, apenas soluções imediatas", defende.

Paulo Pedroso também faz uma referência a este desligamento Governo-PS, ao aconselhar que se fuja a "tentações sectárias de deputação interna que conduzam ao fechamento em núcleos duros cada vez mais duros e cada vez mais núcleos". E recuperar a ideologia: "Abandonar a tentação de ser o partido-centro do sistema equidistante da direita e da esquerda, e lutar por ser o partido-âncora da esquerda."

Também Carlos Leone, do clube socialista de reflexão política A Linha, lembra que, "em tempo de crise, o eleitorado quer soluções políticas". "Não faz mal apostar em meios de comunicação e marketing de ponta, mas fazer deles o alfa e o ómega da acção política, reproduzindo (como se isso fosse possível) estratégias de outros, não chega", avisa. "Só com uma identidade ideológica consistente se conseguirá um discurso político próprio e a mobilização de todos aqueles que, optando pela abstenção, comprometem a governabilidade", remata.

A situação, para muitos socialistas, ainda é reversível. Já a manutenção de rumo, diz um notável do partido no estrangeiro, será "um discurso suicida".

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