Casa do Conto da Boavista vai renascer em betão com o século XIX lá dentro

Depois do incêndio que o consumiu a 6 de Março, a quinze dias da inauguração, o hotel está
a ser reconstruído para abrir em 2010, com os seus quartos sempre abertos aos visitantes

a As sirenes que invadiram a Rua da Boavista, no Porto, na madrugada do dia 6 de Março, anunciavam o fim de um hotel de charme que não chegou a sê-lo, de um projecto cultural que não chegou a vingar. A Casa do Conto - espaço de residência e arte - ia ser inaugurada dentro de 15 dias. A obra estava concluída, o mobiliário instalado, davam-se os últimos retoques para que tudo saísse perfeito. Mas o incêndio daquela madrugada apagou tudo. Chamas imensas, fumo intoxicante, acontecimento de "causa incógnita" (revelou, mais tarde, a investigação da Polícia Judiciária). Tudo estragado."O que ardeu não foi apenas dinheiro, foi, sobretudo, um investimento pessoal e de vida", garante Joana Couceiro, uma das mentoras do projecto. "Foi um momento dramático para nós", recorda Alexandra Grande, também proprietária do espaço.
Da casa do século XIX restou apenas a fachada: desapareceu a esplêndida escadaria central, arderam os soalhos e as madeiras, desfizeram-se os tectos trabalhados com paciência secular. Resistiu a vontade de levar avante este projecto inovador: "Acho que nunca nos deixámos ir completamente abaixo", arrisca Joana Couceiro. Os amigos (e os eventos de solidariedade que organizaram), as centenas de pessoas já envolvidas no programa, os vizinhos com a palavra de incentivo na ponta da língua, a companhia de seguros que se portou bem: tudo contribuiu para que a Casa do Conto se arrisque agora numa nova etapa. "Até acreditamos que o novo projecto vai ficar melhor", acrescentam as proprietárias.
O dia 6 de Março, sabe-se agora, acabou por não ser um ponto final, mas tão-só um virar da página e umnovo capítulo: em Março de 2010, um ano depois do acidente, a Casa do Conto iniciará a sua nova vida. Sem a escadaria central, sem as madeiras seculares, sem os tectos trabalhados, mas com o século XIX lá dentro. "A memória está lá", lembra Joana Couceiro. Agora, o trabalho criativo das empreendedoras é, acima de tudo, de reinterpretação: "Não imitando nem reproduzindo, mas enquadrando a história da casa hoje", desenvolve Alexandra Grande.
"Havia condicionalismos inerentes à arquitectura da casa que se podem agora eliminar", explica. Respeitando a escala das pré-existências - divisões, portas, janelas e a própria linguagem do edifício -, o betão será agora o expoente máximo da obra. Haverá elevador (não existia no anterior projecto e os cinco andares da casa até o pedem), dois pisos sociais dedicados à realização de actividade culturais (como lançamentos de livros e discos, pequenos concertos, apresentação de filmes e exposições), que podem ser frequentados pelos hóspedes dos seis quartos, que ficam nos dois últimos pisos, mas que terão a porta aberta a todos os interessados. É um conceito novo: uma espécie de "turismo de habitação na cidade", ilustram as proprietárias. O espaço é pensado para turistas, sim, mas é programado também para um público "especial", de artistas, de professores e investigadores.

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