A fábrica anunciada por três ministros e que nunca saiu do papel

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Mariano Gago no anúncio do projecto em 2006 Paulo Novais (arquivo)

Se se tivesse concretizado o investimento anunciado em Janeiro de 2006 por três ministros e um secretário de Estado, Portugal pertenceria hoje ao restrito número de países do mundo com capacidade de produzir vacinas antigripais.

E, por esta altura em que a epidemia de gripe A ameaça o mundo, um grupo farmacêutico português, a Medinfar, estaria a produzir e a vender vacinas contra a gripe para outros países do mundo. Mas não é o grau de adesão do Governo (estiveram Correia de Campos, Manuel Pinho e Mariano Gago a assistir à assinatura do protocolo de entendimento entre a Medinfar e a Agência Portuguesa para o Investimento) que garante a eficácia de um anúncio. Dois anos e meio volvidos, nada do que foi anunciado saiu do papel.

Em causa estava a criação de uma nova fábrica de produção de vacinas antigripais a construir junto ao complexo industrial que a Medinfar tem em Condeixa-a-Nova, no distrito de Coimbra. Essa nova unidade representava um investimento global de 27 milhões de euros - metade dos quais seria assegurado pela empresa portuguesa -, deveria ter iniciado a sua laboração no terceiro trimestre de 2007 e em 2008 já devia assegurar o abastecimento de 63 por cento do mercado nacional em termos de gripe sazonal.

O anúncio do investimento foi feito no rescaldo da chamada gripe das aves e pareceu ao Governo importante que o país criasse condições para se preparar para um nova epidemia. Ministros da Saúde, da Economia e da Ciência associaram-se ao evento, que dava sinais de que "a biotecnologia começava a dar frutos em Portugal", como referiu Mariano Gago, ministro da Ciência, e que preparava Portugal para combater "o egoísmo" dos outros países. "Se se vier a concretizar, infelizmente, a ameaça de pandemia, cada país - não tenhais dúvidas - jogará no egoísmo nacional e tratará de resolver os seus próprios problemas e só depois abrirá as portas para ceder aos outros países a sua produção", disse na cerimónia o então ministro da Saúde, Correia de Campos. O ministro da Economia assegurou que o protocolo iria ser transparente e seriam publicitados os apoios dados pelo Estado em matérias de incentivos fiscais, apoios à contratação e à formação profissional.

"Devo recordar que o Governo não se comprometeu a gastar um tostão. O único compromisso que assumiu foi o de comprar a preços de mercado as vacinas que ali fossem produzidas", recordou ontem ao PÚBLICO o ex-ministro da Saúde, Correia de Campos. Foi também o ex-ministro quem, sucintamente, explicou a razão por que o investimento não saiu do papel: "A empresa portuguesa queria fazer um investimento assente em tecnologia molecular, e tinham projecto científico com alguma ambição. Mas depois perceberam que a concorrência internacional ia mais avançada nessas matérias e acabaram por desistir", explica.

O PÚBLICO tentou durante o dia de ontem contactar o presidente do grupo Medinfar, João Almeida Lopes, que é também o presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), mas sem sucesso. Segundo a informação que a farmacêutica disponibilizou há cerca de um ano, citada pela imprensa, a decisão de suspender o investimento foi tomada depois de terem sido analisadas "diferentes opções científicas e tecnológicas susceptíveis de serem utilizadas para a produção das referidas vacinas" e de um estudo às "potenciais parcerias com entidades estrangeiras especializadas em biotecnologia". Essa avaliação permitiu concluir que as soluções "não apresentavam a consistência necessária à prossecução do projecto".

Segundo o relato do ex-ministro, foram os responsáveis da empresa que manifestaram ao Governo a intenção de avançar para uma fábrica que pudesse produzir 800 mil vacinas por ano para a gripe sazonal e que, ao mesmo tempo, estivesse desde logo preparada para readaptar a sua produção às necessidades de responder a uma pandemia, assim que fosse conhecida a estirpe do vírus em causa. "Nós só nos podíamos associar a esta intenção, já que não investíamos um cêntimo, e apenas nos comprometíamos a comprar, em caso de pandemia, as vacinas que ali fossem produzidas, e a preço de mercado", sublinhou.

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