Torne-se perito

A gripe mexicana, a nova doença que viaja de avião

a Há mais incertezas do que factos acerca do novo vírus da gripe. Mesmo assim, os factos estão a dar suores frios às autoridades de saúde do mundo inteiro, que receiam que o surto que começou há dias no México, onde já vitimou uma centena e meia de pessoas, se transforme numa pandemia global. Existem várias estirpes de vírus da gripe. A estirpe A, capaz de infectar aves, porcos e humanos, apresenta por sua vez subtipos cujas designações, por exemplo H1N1 ou H5N1, fazem referência a duas das proteínas do vírus: a hemaglutinina (H), que permite que o vírus infecte as suas células-alvo nos brônquios; e a neuraminidase (N), que permite a libertação de mais vírus pelas células infectadas. Os vírus da gripe dos suínos afectam sobretudo os suínos e os das aves sobretudo as aves. "O melhor exemplo disso é o vírus da gripe aviária H5N1", diz-nos o virologista João Vasconcelos Costa, contactado por email. "Matou muitos milhares de aves mas infectou apenas uns 200 humanos. (...) O vírus pode transmitir-se de ave a homem mas não de homem a homem."
Infelizmente, os diversos vírus da gripe têm uma elevada propensão para trocar genes entre si, podendo acabar por "saltar" de uma espécie para outra - e quando existem contactos repetidos entre aves, porcos e pessoas, são capazes de passar para as pessoas. "Na história da virologia", diz ainda Vasconcelos Costa, "crê-se que a aquisição de potencial de 'reciclagem' no homem de um vírus aviário implica a passagem intermédia pelo porco (ou excepcionalmente, o cavalo). No Extremo Oriente, com a grande concentração conjunta das três populações - aves, porcos e homens -, há condições favoráveis para isto. Estávamos todos, a começar pela OMS, a olhar para a emergência de uma nova pandemia na China, a partir do vírus aviário H5N1. E afinal, surpresas da natureza, aparece um H1N1 no México."
O novo vírus, que pertence ao mesmo subtipo que causou a cataclísmica pandemia de 1918 e vitimou 50 milhões de pessoas no mundo, é no entanto uma mistura inédita de genes aviários, suínos e humanos, o que torna difícil prever a sua virulência. "Depois da gripe espanhola, o H1N1 manteve-se na natureza até hoje", diz o virologista - "tanto assim que a vacina que se prepara todos os anos contra as pequenas variações anuais do vírus da gripe inclui variantes do H1N1. Mas quando se dá uma recombinação no porco, como agora, mesmo mantendo-se o mesmo subtipo H1N1, nada garante que haja protecção imune."
Vasconcelos Costa, que faz notar que a nova doença deveria chamar-se "gripe mexicana" e não suína ("hoje, é um vírus humano, independentemente de ter tido origem num vírus suíno"), explica ainda que os alertas são justificados, sem alarmismos, por várias razões. "A transmissão, respiratória, é muito eficaz. O vírus viaja hoje de avião, o que não aconteceu nas pandemias anteriores. A imunidade é imprevisível e a preparação de uma vacina demora meses. O vírus pode ser sensível agora ao Tamiflu, como parece, mas por azar os vírus H1N1 são dos que mais facilmente adquirem resistência a este fármaco." Ana Gerschenfeld

Sugerir correcção