Nova biografia revela que Marcello Caetano viveu exílio produtivo no Brasil

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Marcello Caetano escreveu vários livros no exílio PÚBLICO (arquivo)

Marcello Caetano viveu o exílio no Brasil completamente integrado na sociedade e nos meios intelectuais do Rio de Janeiro, revela a biografia do chefe do Governo deposto a 25 de Abril de 1974 que será lançada a 31 de Março.

O livro intitulado "Marcello Caetano - O Homem que Perdeu a Fé" resultou de uma investigação de quase três anos da jornalista Manuela Goucha Soares e vai ser apresentado na Sociedade Portuguesa de Geografia, em Lisboa, por Nuno Severiano Teixeira, actual ministro da Defesa.

A autora disse ter ficado surpreendida com o que descobriu sobre os seis anos de exílio do ex-chefe do Governo, contrariando a ideia de que teve um exílio penoso e com dificuldades financeiras.

"Esse período para mim é surpreendente porque de facto ele teve um exílio que não deixou de ter maus períodos, mas integrou-se completamente na sociedade brasileira, nos meios intelectuais cariocas. É muito bem recebido, vai dar aulas, escreve vários livros, dá conferências, tem uma vida que é produtiva", afirmou.

Chegado ao Rio de Janeiro em Maio de 1974, Caetano foi acolhido como hóspede no Mosteiro de São Bento, onde permaneceu duas semanas e onde seria convidado a dar aulas na Universidade Gama Filho. "A proposta era generosa para os padrões da época e tinha a enorme vantagem de resolver várias questões práticas de uma assentada", pode ler-se no livro.

Na contratação do professor de Direito estavam incluídos "um salário de dez mil cruzeiros, um apartamento alugado num bom local da cidade e um automóvel com motorista (ao câmbio de 1974 este ordenado mensal equivalia a cerca de 1500 dólares)", acrescenta.

No Brasil, o ex-governante do Estado Novo publicou quatro livros ("Depoimento", "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", "Direito Constitucional" e "Minhas Memórias de Salazar"), escreveu vários artigos e viajou por todo o país "fazendo conferências e seminários".

A biografia procura dar uma visão da figura de Marcello Caetano, não apenas o político que sucedeu a Salazar e "aromatizou a ditadura", mas também o homem de família e professsor.

"Os alunos tinham um grande respeito por Marcello. Era extremamente sério, responsável, muito cuidadoso na emissão de opiniões", referiu Arno Wheling, reitor da Gama Filho, citado no livro.

Marcello Caetano era "um homem exigente consigo próprio, obcecado com o trabalho, estudioso e rigoroso", considerou a autora desta "reportagem biográfica", sublinhando também que era "um homem autoritário" e que "a democracia não fazia parte do seu pensamento".

Em 1930, um ano depois de ser apresentado a Salazar e de ter começado a trabalhar como auditor jurídico no Ministério das Finanças, Marcello Caetano casou com Teresa de Barros, filha de João de Barros e irmã de Henrique de Barros, dois oposicionistas do Estado Novo.

Marcello mantinha uma boa relação com estas duas figuras, mas encarou com alguma inquietação a proximidade de um dos quatro filhos, Zé Maria, que mais tarde viria a casar com a actriz Laura Soveral, ao MUD Juvenil, no final do decénio de 1940.

No livro, o "retratado" surge como um marido dedicado e preocupado com a doença da mulher que sofria de neurose e acabaria por ser submetida a uma leucotomia (uma operação praticada em psicocirurgia e introduzida por Egas Moniz). "A minha mãe acabou por ser uma cobaia nas mãos dos médicos", indicou Miguel Caetano, citado na biografia.

No ano que se seguiu à cirurgia, o estado depressivo de Teresa Caetano melhorou.

"O problema é que ninguém previu que um dos efeitos secundários da operação poderia ser o envelhecimento precoce", contou à autora a filha Ana Maria, descrita como "a verdadeira primeira-dama do marcelismo".

Teresa morreu em 1971 e Marcello Caetano viria a morrer no exílio em 1980, tendo deixado aos filhos uma carta em que dizia que lhe era indiferente ser sepultado no Brasil ou em Portugal.

"Quem cá ficar resolva como preferir", indicou o deposto governante, que seria enterrado no Rio de Janeiro ao lado do escritor e dramaturgo brasileiro Nélson Rodrigues.

Nos seus desabafos a Maria Helena Prieto, uma amiga com quem trocou cartas enquanto estava no exílio, confessou que não gostava de envelhecer e que já perdera a fé.

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