O clarinete acutilante de Michel Portal

Festival Trans-Portalmmmmn
Michel Portal (clarinete)
Augustin Dumay (violino)
Vanessa Wagner (piano)
Lisboa, Teatro São Luiz (Jardim de Inverno)
11 de Março, às 21h
Sala a dois terços
Da música clássica ao jazz, passando pelo fado e pela canção francesa na voz de Mísia, o clarinetista francês Michel Portal tem mostrado nos últimos dias em Lisboa as múltiplas facetas da sua eclética personalidade num festival organizado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa e pelo Teatro São Luiz, que decorre até domingo. Na vertente clássica, um dos programas mais apelativos teve lugar na quarta-feira num breve recital de câmara onde Portal se apresentou com a jovem pianista francesa Vanessa Wagner e com o violinista Augustin Dumay, actualmente director musical da Metropolitana.
O recital abriu com os Três Romances para Clarinete e Piano, op. 94 (1849), de Schumann, escritos originalmente para oboé, mas susceptíveis de serem também interpretados em clarinete ou violino. São peças breves de um grande lirismo poético, que exploram a dimensão cantante do instrumento solista e o seu entrosamento com o piano. A forte personalidade de Portal, a sua sonoridade penetrante (ainda que consiga por vezes belos pianíssimos) e a sua abordagem muito rítmica e incisiva do discurso musical não constituem as qualidades que melhor casam com o universo schumaniano, pelo que a interpretação se ressentiu um pouco dessa abordagem carecendo de ambientes mais poéticos e de um cantabile mais depurado.
Mas nas obras que se seguiram - a Sonata para Clarinete e Piano (1962), de Poulenc, e Contrastes, para violino, clarinete e piano (1938), de Bartók -Portal mergulhou no seu elemento, oferecendo-nos interpretações fulgurantes. Ambas foram dedicadas a um clarinetista de jazz (o célebre Benny Goodman) pelo que a sua linguagem, sem ser explicitamente jazzística, não é alheia a essa inspiração. Na Sonata de Poulenc, o clarinetista apostou forte nos contrastes dinâmicos e na variedade de ataques, privilegiando mais a vertente enérgica e acutilante da obra do que os seus rasgos mais melancólicos e introspectivos.
O ponto culminante da sua prestação seria porém em Contrastes, de Bartók, onde contou com o precioso contributo de Augustin Dumay no violino. A obra exige o uso de dois clarinetes (um em Lá e outro em Si bemol) e de dois violinos, um deles com afinação diferente (scordatura) destinado ao final. Esta partitura extremamente virtuosística, marcada pelo colorido da música dos camponeses húngaros e por uma hábil construção que explora os contrastes entre diversos parâmetros musicais, foi objecto de uma versão explosiva, que chegou a ser estonteante no final. Vanessa Wagner, que esteve discreta na primeira parte, demonstrou aqui grande destreza técnica e uma boa cumplicidade com os seus parceiros.

Cristina Fernandes

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