Miguel Bombarda tem caras no chão para fazer companhia a quem vai às galerias

Obras foram inauguradas pelo ministro da Cultura e pelo presidente da Câmara do Porto,
que promete requalificar o resto da rua. Os desenhos da calçada são de Ângelo de Sousa

a Ângelo de Sousa desenhou a calçada pedonal da primeira parte da Rua de Miguel Bombarda. "Isto não dá para mensagens. Isto é um labirinto para as pessoas andarem. As carantonhas são para fazer companhia às pessoas", explicava, cabeça baixa, olhos postos na obra. Pensou um chão para divertir, não para chocar. Naquele chão até se pode jogar à macaca. O ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, e o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, encontraram-se ontem à tarde no princípio da rua. Fizeram coincidir a inauguração da obra iniciada em Julho de 2008 e concluída em Fevereiro de 2009 com a inauguração das exposições nas galerias de arte, que aproveitaram para visitar. Tiro de partida: Galeria Fernando Santos, exposição de Geraldo Burmester: conjunto colorido de elementos de alumínio polido. Cruzaram a rua, visitam uma exposição de pintura de Manuel Botelho. Rui Rio parecia deliciado frente aos trabalhos sobre a guerra colonial: após três séries de fotografias dedicadas a esse momento marcante, Botelho tornou ao desenho.
Aerograma não é só uma exposição para ver, também é uma exposição para ler. Conjuga imagens com excertos de correspondência trocada entre alguns homens que cumpriram serviço militar em Angola, Guiné, Moçambique e as suas mães, esposas, namoradas ou madrinhas de guerra. "É mais intimista do que a anterior", comentava o artista com Rui Rio.
O ministro já estava lá fora, a posicionar-se para falar aos jornalistas. Não sobre a empreitada, que implicou a reformulação de redes de abastecimento de água, drenagem de águas pluviais e residuais, redes de baixa e média tensão, iluminação pública e transformação em zona pedonal: a empreitada era da Empresa Municipal de Gestão de Obras Públicas. Sobre o "bom momento das artes" - em Portugal e, "em particular, no Porto".
Pinto Monteiro esperou por Rui Rio, como é da praxe. Depois, elevou a voz para lembrar que a Miguel Bombarda de hoje "não tem nada a ver" com a Miguel Bombarda de "há 40 ou 50 anos". Da iniciativa privada nasceu um novo pólo cultural na cidade. "É preciso trazer cá muita gente"; apoiar "um movimento que não é só de um", mas "de muitos galeristas", disse.
Rio também sublinhou o carácter "espontâneo" da chamada "Rua das Galerias". Não avançou com a obra mais cedo por ter tido "outras prioridades", explicou, prometendo arranjar o resto da rua. Ainda não sabe como fazê-lo, porque ali há muito trânsito. De qualquer modo, parece-
-lhe "fácil" melhorar o que está.
O arquitecto Filipe Oliveira Dias usa a expressão "museu vivo". Há sete desenhos formados por placas de betão pigmentado. E diversas caras, em baixo-relevo, esculpidas em granito. As "carantonhas", como lhes chama Ângelo de Sousa, podem servir para "fazer companhia às pessoas, para levantar a moral, para dizer: "Eu também estou chateado".
O desenho foi encomendado em 2000 por Nuno Cardoso, então presidente da Câmara do Porto. Esperou oito anos e meio para se converter em chão. "Era para fazer, não era para fazer. Havia coisas mais urgentes", comentava o artista. Não está zangado. Parece-lhe "natural": "Isto é um luxo cultural".
A subir a rua estão os irmãos Nabais - Carolina (10 anos), Matilde (13), Tomás (16), Bernardo (20 anos) - e os pais. Nem sempre têm vontade de vir às exposições, mas os pais não desistem de os direccionar. Talvez um dia experimentem usar aquele chão para brincar. Pelo menos, agora, os miúdos podem correr de uma galeria sem os pais se agoniarem com os carros. Os galeristas até já falam em arranjar peças de xadrez.

Sugerir correcção