TPI mandou prender Omar al-Bashir

Decisão é rejeitada pelo Governo sudanês, que recusa cooperar com Haia e já ordenou a expulsão de organizações humanitárias

a Os refugiados do Darfur nos campos do Chade receberam com gritos de alegria a decisão do Tribunal Penal Internacional de emitir um mandado de detenção contra Omar al-Bashir. Mas nas ruas de Cartum milhares de pessoas desfilaram para apoiar o Presidente sudanês, acusado por crimes de guerra e contra a humanidade. Mandar prender um Presidente em exercício é uma decisão sem precedentes que deixa várias perguntas. Vai mesmo ser aplicado o mandado?Antes do anúncio, Bashir já tinha dito ao TPI que fosse "comer" o mandado. À hora de almoço, a porta-voz do tribunal com sede em Haia, Laurence Blairon, anunciou a decisão do painel de juízes que tem analisado o processo dos crimes na região do Darfur, onde foram mortas 300 mil pessoas. Blairon disse que Bashir é suspeito de "ataques que visam intencionalmente uma parte importante da população civil no Darfur, pelo assassínio, extermínio, violação, tortura e transferência forçada de grande número de civis e pela pilhagem das suas propriedades."
Khalid, chamemos-lhe assim, sabe muito bem de que violência está a porta-voz do TPI a falar. Foi recrutado para o Exército sudanês em final de 2002 e agora contou a um jornalista da BBC o que lhe era pedido. "As ordens que tínhamos eram para incendiar as aldeias completamente." Também lhe foi ordenado que envenenasse depósitos de água, que violasse raparigas com 13 ou 14 anos. "As lágrimas corriam-me pela cara. Disseram-me: 'Tens de a violar, e se não o fizeres batemos-te. (...) Levei-a para uma esquina e fiquei em cima dela como se a estivesse a violar, durante 10 ou 15 minutos."
O mandado foi emitido por crimes de guerra e contra a humanidade, mas ficaram de fora as acusações de genocídio. A violência no Darfur foi um plano orquestrado ao mais alto nível no Sudão, mas não há provas para acusar por genocídio, disse Blairon.
O procurador do TPI, Luis Moreno-Ocampo, já tinha pedido em Julho que fosse emitido o mandado de detenção. Mas é muito pouco provável que o pedido tenha uma resposta positiva - o ministro da Justiça, Abdel Basit Sabdarat, disse à estação televisiva Al-Jazira que o Sudão não cooperou com o TPI até agora e não irá cooperar.
A impossibilidade de cooperação e a inexistência de meios para concretizar o mandado levaram Alexander de Wall, especialista nas questões do Sudão e investigador da Universidade de Harvard, a considerar, em declarações à BBC, que o mandado será "inconsequente", até porque o TPI não tem força policial para realizar a detenção. No entanto, Moreno-Ocampo disse que o Governo sudanês é obrigado a executar o mandado e mostrou-se confiante quanto à execução da decisão, embora admita que poderá não acontecer a curto prazo. "Pode acontecer em dois meses ou dois anos, mas [Bashir] enfrentará a justiça", disse.
Em frente à sede do Governo, em Cartum, houve manifestações de apoio ao Presidente com o slogan "vamos defender Bashir até à última gota do nosso sangue" e também foram queimados cartazes de Moreno-Ocampo. Enquanto isso, a decisão do TPI foi saudada pelos líderes dos grupos rebeldes, que desde 2003 confrontam o Governo.
O mundo dividido
A ordem de detenção contra Bashir está também a criar divisões entre a comunidade internacional, com a União Africana e a Liga Árabe a sugerirem que poderá piorar a situação no Darfur e ameaçar um acordo de paz entre o Norte do Sudão e a região semiautónoma do Sul. O presidente da comissão da União Africana, Jean Ping, disse mesmo que o mandado "ameaça a paz no Sudão".
Da UE e dos EUA chegaram apelos à cooperação do Sudão com o TPI. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu ao Sudão que coopere com o tribunal e sublinhou que a ONU "vai continuar a conduzir as suas operações vitais de manutenção de paz, ajuda humanitária, direitos humanos e desenvolvimento de actividades civis no Sudão". Mas o primeiro sinal foi já a expulsão de várias ONG. "Uma dezena de organizações vão ser expulsas", disse à AFP um responsável da ONU. "Disseram-nos para deixar o país em 24 horas." Horas antes, a organização Médicos Sem Fronteiras disse que iria retirar os funcionários estrangeiros do Darfur depois de o Governo sudanês ter ordenado que partissem.
A decisão do TPI foi saudada por organizações de direitos humanos como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, bem como por várias ONG. Richard Dicker, especialista em Direito Internacional da HRW, disse à Reuters que a incapacidade para deter Bashir é "um calcanhar de Aquiles".
No Sudão, vários cenários se mantêm em aberto. O analista francês Gérard Prunier, do Centro Nacional de Investigação Científica, considerou à AFP a hipótese de um golpe de Estado interno no Partido Nacional do Congresso, de Bashir, que seria substituído por uma personalidade mais neutra. Mas, sublinhou, há ainda a hipótese de um golpe do Exército. Outros antevêem um aumento da ofensiva dos rebeldes. E Bashir pode procurar reforçar o poder na eleição prevista para este ano e estreitar relações com países que se opõem ao mandado, como a China, Rússia, membros da Liga Árabe e da União Africana.
Diante da sede do Governo em Cartum foram queimados cartazes com a fotografia do procurador Moreno-Ocampo

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