A perfeita sonoridade do Intercontemporain

O regresso do Ensemble Intercontemporain (EIC) a Portugal fez-se no passado fim-de-semana com uma visita às duas temporadas mais recheadas do país, a da Casa da Música (CdM) e a da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Esta pequena digressão teve início na sexta-feira, na CdM, com um condensado do programa que viria a ser interpretado em dois concertos diferentes na FCG, no sábado e no domingo, todos eles dirigidos por François-Xavier Roth. Inserido nas actividades da residência artística do compositor britânico Jonathan Harvey, o evento do Porto apresentou Bhakti (1982), uma extraordinária obra para conjunto instrumental e electrónica sobre suporte em quatro canais, antecedida por uma primeira parte com obras da coreana Unsuk Chin e do francês Bruno Mantovani (o mesmo que o EIC havia dado a conhecer à cidade em 2005, aquando da sua primeira visita à CdM, e pela mão do mesmo maestro, com Le Sette Chiese).
O concerto poderia ter sido mais agradável, se se ouvisse menos tempo de música (por exemplo, apenas os 50 minutos da segunda parte, com Bhakti), mas é inegável o nível aperfeiçoadíssimo e musical do EIC (e provavelmente pareceria impensável investir na vinda de um agrupamento estrangeiro e do calibre do EIC para interpretar apenas uma obra).
A abrir o espectáculo, a Fantaisie mécanique (1994, revisão de 1997), de Unsuk Chin (obra com que a compositora iniciou a sua colaboração com o EIC) - composta para trompete, trombone, piano e dois percussionistas - é, das obras interpretadas no concerto em destaque, a que se distingue como mais "ligeira", revelando algum poder de invenção.
Streets (2006-07), de Mantovani, "inspirada" num passeio a pé pelas ruas de Nova Iorque, mostra-se menos sedutora do que Le Sette Chiese (ambas disponíveis num brilhante registo monográfico realizado pelo EIC para a Kairos, sob a direcção de Susanna Mälkki).
Bhakti (significando "devoção") representa bem o grande período de maior rigor formal da obra de Harvey, em que estão já presentes as "harmonias simétricas" e a que não falta a forte associação espiritualidade-racionalismo (uma constante no seu trabalho). A interacção entre a escrita instrumental e uma electrónica repleta de gestos etéreos e de finos objectos produzidos por um cuidadoso trabalho espectral é absolutamente fascinante.
Denominador comum a todas as obras foi o brilho da sonoridade seguramente cinzelada do fabuloso Ensemble Intercontemporain, um agrupamento de extraordinários solistas que nem por isso deixa de funcionar exemplarmente como conjunto com identidade própria.
Em Lisboa, o programa dividiu-se entre orgulho nacional, no sábado, com obras de compositores tão reconhecidos em França como Mantovani (1974), Yan Maresz (1966) e Philippe Manoury (1952), e um conjunto de obras Em Busca do Oriente, no domingo, com assinatura de Unsuk Chin (1961), do jordano Saed Haddad (1972) e do próprio Jonathan Harvey (1939).

Diana Ferreira

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