Rogério Casanova, aliás "Rogério Casanova"

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Vai deixando uma ou outra pista biográfica mas resguarda a sua identidade civil. Não aparece em eventos públicos e prefere ser desenhado do que fotografado. É autor do melhor blogue português, "Pastoral Portuguesa". Uma selecção desses textos acaba de ser publicada

"Pastoral Portuguesa" é o melhor blogue português. Estilo, cultura, graça e inteligência, um cocktail perfeito. O autor do blogue assina "Rogério Casanova", mas é possível que seja um anagrama. Presumivelmente nascido em 1980, Casanova vai deixando uma ou outra pista biográfica mas resguarda a sua identidade civil. O sucesso dos seus textos na blogosfera valeu-lhe convites da imprensa, e é desde há alguns meses crítico literário no "Expresso" e colunista da revista "Ler". Agora, a Quetzal publica uma selecção de textos de "Pastoral Portuguesa" e torna mais conhecido o homem que mantém o nome de guerra, não aparece em eventos públicos e prefere ser desenhado do que fotografado. Há semanas, Casanova foi encarregado de entrevistar Peter Carey. Sugeriu uma entrevista via Messenger. O escritor australiano nem levou a sério tal hipótese. Propusemos então que o esquivo Casanova desse ao Ípsilon precisamente uma entrevista por Messenger. Ele aceitou logo.

Com um nome como "Casanova" estaríamos à espera de um blogue menos cerebral e mais carnal. 

O nome Casanova acompanha-me antes de eu saber o que era "carne" ou até "expectativas". Mas também não concordo nada que o blogue seja cerebral.

Digamos que a maioria dos leitores portugueses não acompanham com avidez a obra de Bernard Malamud [escritor judeu americano, muito citado por Casanova].

Isso é uma questão que eu vou resolver eventualmente. Devem ler-se todos esses judeus velhos. Todos, todos.

E gostar acima de todos do [Thomas] Pynchon não é uma paixão cerebral?

Não. Eu comecei a gostar do Pynchon quando li uma cena em que uma invasão a um canil terminava com um gajo a meter o pé dentro de uma sanita.

O facto de esta entrevista ser ilustrada com um desenho e não com uma fotografia é uma homenagem ao mestre?

A minha intenção era fingir surpresa, e dizer que ninguém me pediu uma fotografia.

"Não aparecer", como se diz, pode ser uma estratégia, até de "marketing."

Aqui há tempos uma pessoa, digamos, "do meio", passou meia-hora a explicar-me que os, digamos, "autores", deviam aparecer, que isso só ajudava, só ajudava, nunca prejudicava, etc. Foi na mesma semana em que esgotou a edição do Herberto Helder. Mas eu juro que só não apareço porque não consigo tirar uma foto tipo passe decente desde 1996.

O gosto por anagramas vem de ser uma mistura entre o intelectual e o lúdico, tal como tudo o que escreve?

Sim, exacto. Era mesmo isso que eu ia responder, caso a pergunta fosse só "de onde é que vem o gosto por anagramas": é uma mistura entre o intelectual e o lúdico, tal como tudo o que escrevo. 

E a anglofilia? Há quem diga que esta geração tem anglofilia a mais

A anglofilia é uma coisa terrível: é tão fácil ser ridículo quando se está a ser anglófilo. Ando a tentar arranjar defesas para isso, mas não tem sido fácil. E depois há a anglofilia selectiva, que só gosta de uma versão daquilo baseada no pior livro do Waugh, mas nunca fala de cavalos e porridge, por exemplo. A minha anglofilia também era muito em função de estar lá a viver. 

Os anglófilos tendem a ser muito antifranceses, e acho que cita poucos franceses no seu livro. 

Ao contrário da maioria dos anglófilos que conheço, eu sou uma nódoa em francês: não consigo ler mais do que o "L'Equipe", e mesmo assim com grandes dificuldades. Para a literatura francesa estou totalmente dependente do Pedro Tamen e tenho lacunas enormes no currículo por causa disso. Mas não tenho assim nada contra eles, genericamente. Aliás, uma vez estive em França e achei tudo, como diria o Gonçalo Cadilhe, "muito bonito".

Geralmente o antifrancesismo tem uma costela política, mas as suas ideias políticas são um pouco opacas. Cito: "uma espécie de cruzamento entre o rancho de Hunter S. Thompson, a cabeça de Milton Friedman, o palácio de Tibério e a social-democracia sueca".

Não acho que essa salada seja uma coisa muito original: é o truque básico das pessoas que gostam de mostrar que não são de esquerda, mas ao mesmo tempo que são espectaculares a todos os outros níveis.

Há uma referência no livro à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi uma experiência proveitosa?

Estive lá dois anos. Tive dois professores muito, muito bons: o David Prescott, que me deu a conhecer o Gore Vidal, e a Marijke Boucherie, que me perguntava semanalmente o que é que eu estava ali a fazer. Também fiquei em segundo lugar num torneio de matraquilhos. Pela minha saúde, fiquei mesmo.

E apostas, houve?

Isso veio depois, felizmente.

O que são as "zonas de guerra" da Penha de França e da Linha da Azambuja?

As escolas que frequentei - decoradas com um bocadinho de mitomania. Não eram assim tão más, para dizer a verdade. Quer dizer, uma delas ficou péssima, mas já depois de eu ter saído.

Gosta de "guilty pleasures" ("reality shows", filmes bíblicos, o Sporting)?

O Sporting, um "guilty pleasure"? Mas o que é isto? O Sporting e os filmes bíblicos - duas coisas que têm muito em comum - são paixõezinhas de infância. Uma pessoa fica refém disto o resto da vida.

Há uma passagem no livro que mostra pouco apreço pelas "analogias sobre 'relações'". Deduzo que nunca teremos a vida amorosa de Casanova "online".

Bom, a ideia era mostrar pouco apreço por um certo tipo de analogias sobre relações. Há quem faça isso bem, mas eu não faço. E qualquer opinião crítica que eu dê sobre o que quer que seja está basicamente a exaltar aquilo que eu faço bem, e a dizer que aquilo que eu não sei fazer não presta. Idealmente, estas coisas não se confessam, mas suponho que agora é tarde de mais.

As referências ao seu quintal são a costela Rousseau?

É da costela anglófila, evidentemente. Tratar do jardim, só isso. Tenho um quintalinho com cinco laranjeiros, e um marmeleiro, e tenho muito orgulho em ainda não ter deixado morrer nada.

E que insistência é essa no tema da "maionese"?

Por castigo divino, houve uma altura em que o primeiro resultado de uma busca no Google para "manteiga planta" era o meu blogue. Com a maionese nunca lá cheguei.

Finalmente, a questão mais importante do nosso tempo: Joaquin Phoenix no show de David Letterman estava pedrado ou a gozar [está no Youtube]?

A aparição do Joaquin Phoenix no Letterman é uma ilustração perfeita dos motivos pelos quais está aqui um desenho do Pedro Vieira e isto foi tudo feito por Messenger.

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