O maior desafio do regime dos mullahs é agora sobreviver

Se o reformista Khatami tiver a bênção do ayatollah Khamenei, as eleições de Junho serão "as mais extraordinárias" dos últimos 30 anos

a O sociólogo norte-americano Charles Kurzman chamou-lhe "a revolução impensável", talvez por ser tão difícil explicar como é que um pregador da cidade santa xiita de Qom conseguiu derrubar sem armas um dos mais poderosos exércitos do mundo. Foi há 30 anos que o ayatollah Khomeini destronou o imperador Mohammad Reza Pahlavi, instaurou a primeira república islâmica e mudou o mapa do Médio Oriente.Dez dias de comemorações terminam hoje na Universidade de Teerão, onde o Presidente, Mahmoud Ahmdinejad, deverá fazer um muito aguardado discurso, depois da mão estendida pela Administração Obama e de o reformista Mohammad Khatami ter anunciado que é novamente candidato à chefia do Estado, nas eleições de Junho.
O regime ainda consegue mobilizar os milhões de pessoas que, em Fevereiro de 1979, acolheram triunfalmente o maior inimigo do Xá no seu regresso do exílio, mas há muito desapontamento porque muitas promessas continuam por cumprir.
Para Alex Vatanka, o editor de questões de segurança do centro de estudos de estratégia Jane's Information Group, em Washington, "o maior êxito da revolução foi, até certo ponto, ter concretizado a promessa de auto-suficiência e independência do povo iraniano que há muito se queria libertar de décadas de domínio de potências estrangeiras". E adianta, numa entrevista ao PÚBLICO, por telefone: "Mesmo as pessoas que odeiam o regime dizem que estão orgulhosos da independência recuperada. No entanto, também este é um sucesso limitado que até os apoiantes do regime reconhecem."
"O maior fracasso foi a promessa jamais cumprida de o Irão se tornar numa democracia. Depois da revolução, o país passou a ser uma teocracia. Quando os iranianos votaram por uma nova Constituição, em 1979, não adivinhavam o que iria ser o cargo de Líder Supremo ou o Conselho dos Guardiões. Esta foi uma revolução genuinamente popular - mais de 80 por cento das pessoas queriam ver-se livres do Xá. Era uma coligação que incluía comunistas, sociais-democratas, nacionalistas, seculares e islamistas. Os islamistas sequestraram a revolução e retiraram aos outros o direito de participar no processo político. Foi o maior fracasso - e é por isso que o regime actual não poderá sobreviver a longo prazo."
A maioria da população iraniana não era nascida no tempo da revolução e não se lembra do Xá, realça Vatanka. "Que fique bem claro: os iranianos não olham para outros países do Médio Oriente para os inspirarem. Olham para o Ocidente. Definiram para si próprios padrões elevados de democracia e estão conscientes de que ainda têm um longo caminho a percorrer até serem uma sociedade em que as vozes e os votos das pessoas contam."
Para este especialista em questões iranianas, "a sobrevivência do regime dependerá de menos isolamento, não só em relação ao Ocidente mas à região" onde se insere. "É por isso que o Irão nunca suspendeu as negociações sobre o seu programa nuclear. Poderia fechar as portas e ser outra Coreia do Norte, mas não é isso que está acontecer. Muitos consideram que as negociações servem apenas para ganhar tempo [até à construção da bomba]. Não creio que seja verdade. Os iranianos aspiram a ser protagonistas na cena internacional. Querem o reconhecimento do mundo. Não é só uma questão se sobrevivência, mas também de prestígio."
Khatami pode vencer
Sobre a candidatura de Khatami, anunciada no domingo, Vatanka explica: "Há vários meses que ele ponderava se haveria de concorrer. Essencialmente, dizia: 'Só me candidato se as eleições forem livres.' A mensagem não se dirigia ao povo iraniano mas ao Líder Supremo, o homem mais poderoso no país, ayatollah Ali Khamenei. Agora que Khatami se assumiu publicamente como candidato, resta saber se recebeu promessas de Khamenei de que poderia concorrer, com a garantia de que as eleições não serão uma repetição das de 2005, quando o Líder Supremo se colocou ao lado de Ahmadinejad contra [Hashemi] Rafsanjani, ou se não esperou pelas garantias de Khamenei, porque havia muita pressão sobre ele para desafiar Ahmadinejad."
"Não sabemos se recebeu a bênção ou decidiu avançar sem a bênção. A minha intuição é que Khamenei disse a Khatami que não objectaria à sua candidatura. Se isso for verdade, vamos ter as mais extraordinárias eleições dos últimos 30 anos no Irão. Será mais entusiasmante do que em 2005, porque muitas pessoas no Irão não gostam de Rafsanjani [demasiado rico, pragmático e poderoso] e não conheciam Ahmadinejad. Agora, em 2009, todos sabem quem é Ahmadinejad e quem é Khatami, e eu acho que Khatami pode vencer com uma maioria esmagadora."
Khamenei está preocupado
Alex Vatanka reconhece que muitos eleitores ficaram desiludidos por Khatami não ter posto em prática reformas - políticas, sociais e económicas - nos seus dois mandatos entre 1997 e 2005. No entanto, "apesar dos fracassos e da desunião dos reformistas, se o hojatoleslam [título abaixo de ayatollah] conseguir transmitir uma mensagem de esperança, as pessoas sairão em massa à rua para votar. Se sentirem que podem escolher Khatami em vez de Ahmadinejad, sem represálias da ala dura, haverá uma elevada participação".
Quanto a Ahmadinejad, "o maior problema não é a sua personalidade, nem a negação do Holocausto, nem as relações com os EUA - é o barril do petróleo estar a 40 dólares, quando o Orçamento previa 60, é a inflação estar quase nos 30 por cento e o desemprego ter chegado, oficialmente, aos 12,5 por cento", avalia Vatanka. "Será a economia a derrubar Ahmdinejad, se as eleições forem livres (segundo o sistema iraniano, não ocidental)."
"Esta é uma sociedade conservadora, mas não é estúpida. Em 2005, quando fazia campanha, Ahmadinejad não falava do programa nuclear iraniano nem em confrontar os Estados Unidos e Israel a todo o custo. Falava de pão e manteiga. Prometia retirar aos ricos para dar aos mustazafin, os pobres", mas não foi capaz redistribuir a riqueza petrolífera, apesar da bonança dos preços, que chegaram a 140 dólares o barril.
O ayatollah Khameni "sabe que há potencial para sublevação no país", frisa Vatanka. "Tem 79 anos e preocupa-se com o que vai acontecer depois dele. Não pode arriscar um conflito interno que faça cair o regime, como aconteceu ao Xá Pahlavi."
No P2: "O Irão de A a Z"
Área: o Irão estende-se por 1,6 milhões de quilómetros quadrados, sendo três vezes maior do que a França.
População: 71,3 milhões (mais do dobro do que em 1979)
Economia: as segundas maiores reservas mundiais de petróleo e gás. O petróleo representa cerca de 80 por cento das divisas externas e constitui a sua maior exportação (81.800 milhões de dólares em 2008). As vendas de tapetes persas e pistáchios dão apenas uma modesta contribuição.
Inflação: quase 30 por cento em 2008, segundo estatísticas do banco central.
Desemprego: 12,5 por cento (dados oficiais, mas crê-se que será superior)
PIB: em 2007, foi de 271 mil milhões de dólares.
Taxa de crescimento: 7,1 por cento, em 2007

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