Pela Alemanha, contra Hitler

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Claus von Stauffenberg sacrificou tudo para tentar assassinar Hitler. "Valquíria" conta essa história

"Estou envolvido em alta traição por todos os meios ao meu dispor", dizia. Claus von Stauffenberg não era homem de meias- palavras. Nem de meias-acções. E há muito que tomara a sua decisão: Hitler tinha que ser morto. O futuro da Alemanha dependia disso.

Quando vários oficiais alemães envolvidos em diversas tentativas para assassinar o Fuhrer começavam a desesperar com os sucessivos falhanços, Stauffenberg foi o homem certo no momento certo. Tornou-se o protagonista de um dia alucinante - 20 de Julho de 1944 - em que a (até agora largamente ignorada) resistência interna alemã esteve a ponto de derrubar o regime nazi.

Nesse 20 de Julho de 1944 em que a História poderia ter mudado cada minuto contou. Tom Cruise tem dito em várias entrevistas que, quando Bryan Singer lhe deu o argumento de "Valquíria", convidando-o para fazer de Stauffenberg, não conseguiu parar de ler. "Valquíria" é (também) um "thriller". Uma corrida contra o tempo em que Stauffenberg, um dos poucos oficiais com acesso directo a Hitler, consegue deixar uma mala com explosivos aos pés do ditador. O Terceiro Reich poderia ter acabado ali. Mas algo não correu de acordo com o plano.

Uma decisão irreversível

Claus von Stauffenberg veio de uma infância dourada, em que tudo parecia possível. Nas fotografias desse início do século XX, aparece, ao lado dos dois irmãos, vestidos de igual, camisa com larga gola branca que lhes cobre os ombros, calções, meias brancas, sapatos com fivelas, como três pequenos príncipes. Conta-se que quando conheceu os três filhos do conde Alfred Schenk von Stauffenberg e da condessa Carolina von Stauffenberg, o poeta Rainer Maria Rilke ficou encantado com os três rapazes e previu-lhes futuro brilhante.

"Devoram romances ingleses e montam peças de teatro", escreveu Irina de Chikoff sobre os jovens Stauffenberg, num número especial da revista "Le Figaro" sobre a Operação Valquíria. "Recentemente fizeram 'Júlio César', de Shakespeare. Claus era Lucius. Mas amam sobretudo a música. Por vezes, os rapazes dão, para os pais e alguns amigos íntimos, um concerto. Berthold ao piano. Alexander toca violino. E Claus é o violoncelista. Fala mesmo em tornar-se um virtuoso ou um compositor". Estávamos em 1907 e a guerra - qualquer uma delas - ainda vinha longe.

Mais tarde, já depois da I Guerra, os irmãos Stauffenberg entraram no círculo do poeta Stefan George, figura que marcaria Claus. Conta Chikoff que quando se tornou um jovem oficial do Reichswehr, o Exército alemão da República de Weimar, Claus repetia para si próprio os versos de Stefan George: "Serei o soldado das guerras justas,/ Redentor do mundo;/Serei o teu servidor e o teu cavaleiro".

Criado nos valores da pátria, da honra, na herança do velho Exército prussiano, Claus, como outros da sua geração, assistiu entre o curioso e o céptico à ascensão de Hitler e do Partido Nazi. No entanto, em 1933, segundo Chitoff, ele ainda não partilhava do "desprezo [...] da maior parte dos aristocratas das antigas gerações pelo líder nacional-socialista". Ainda estava disposto a dar o benefício da dúvida ao homem que parecia oferecer ao povo alemão uma nova esperança para sair da humilhação da derrota na I Guerra.

Mas a barbárie da Noite de Cristal, entre 9 e 10 de Novembro de 1938, com a destruição das sinagogas e a perseguição dos judeus, foi, para Claus von Stauffenberg, um ponto de viragem. "Sou um soldado. Sirvo o meu país. Mas ao servir o meu país traí a minha consciência". Apesar de ter prestado juramento de lealdade a Hitler e ao Terceiro Reich, percebe que se for fiel a Hitler não está a ser fiel à Alemanha. E toma uma decisão irreversível. Um oficial que o conheceu na época diz que ele "há muito rejeitara qualquer luta interior: sabia que a sua causa era justa, mesmo se um dia a História o tomasse como um traidor".

Tal como ele, outros oficiais do Exército alemão estavam a chegar às mesmas conclusões. Quando Claus voltou à Alemanha, depois de ter sofrido, na Tunísia, ferimentos que lhe custam uma mão, dois dedos da outra, e um dos olhos, o seu caminho fê-lo cruzar-se com estes homens - figuras como o general Henning von Tresckow (Kenneth Branagh, no filme), que considerava Hitler "o maior criminoso", o general Friedrich Olbricht (Bill Nighy), ou o coronel Mertz von Quirnheim (Christian Berkel).

Já tinha havido outras tentativas de assassinar Hitler, sempre falhadas. Desta vez, Stauffenberg tornou-se personagem central de uma complicada conspiração. Foi sua a ideia de usar a Operação Valquíria, criada pelo próprio regime para ser desencadeada em caso de assassínio de Hitler. O plano que propôs era arriscado: matar o Fuhrer, fazendo crer que fora um golpe das SS, a sua guarda pretoriana. A partir do momento em que sua morte fosse anunciada, seria desencadeada a Operação Valquíria, que, através da mobilização imediata do exército na reserva, permitiria aos golpistas tomar Berlim e assumir o governo da Alemanha.

Foi o próprio Stauffenberg, acompanhado pelo seu ajudante-de-campo, Werner von Haeften, que levou a bomba até Hitler. A oportunidade: uma reunião na chamada Toca do Lobo, com as chefias militares mais importantes. Mas, como lembra no filme o general Ludwig Beck, "nunca nada corre segundo o plano". E foi assim mais uma vez. Por causa do calor que se fazia sentir nesse 20 de Julho de 1944, a reunião foi transferida do "bunker" para um pavilhão com janelas.

Stauffenberg conseguiu entrar com a bomba, colocá-la junto de Hitler e voltar a sair da sala a tempo de evitar ser atingido pela explosão. Mas a carga explosiva, que deveria ter um efeito devastador no interior do "bunker", num espaço com aberturas não teve o impacto esperado. Stauffenberg saiu convencido de que Hitler tinha morrido - e foi isso que garantiu aos seus companheiros quando regressou a Berlim. A Operação Valquíria foi lançada e, durante algumas horas, tudo parecia estar a correr segundo o plano.

Mas Hitler não morreu (embora cinco dos militares que se encontravam ao seu lado tivessem morrido). E antes do final do dia conseguiu fazer passar as suas contra-ordens e inverter a situação. O plano de Stauffenberg falhou. E todos os que nele estavam envolvidos sabiam o que isso significava. Este era um jogo de tudo ou nada.

Os oficiais que conspiraram contra Hitler eram homens que sentiam vergonha de seguir as ordens de alguém que consideravam um louco e um criminoso. Além disso, estes herdeiros das tradições e princípios do Exército prussiano consideravam o Reichswehr, e portanto a si próprios, como o garante do Estado, e viam com crescente descontentamento a ascensão de forças paramilitares como as SS.

Guerra entre dois mundos

Era, também, uma guerra entre dois mundos. "Quando consideramos o núcleo duro dos militares operacionais e dos civis mais envolvidos na conspiração, o que chama a atenção é o facto de que os oficiais e os seus primos diplomatas que conspiram contra Hitler pertencem, na maior parte dos casos, à aristocracia", explica Charles Daguerre num texto no mesmo número do "Figaro". "Tinham nascido nas mesmas vilas, brincado nos mesmos castelos, tinham as mesmas tias, e tinham estado apaixonados pelas mesmas primas. Este mundo suportava mal as maneiras plebeias, ruidosas e brutais dos nazis".

Em 1944, estes homens sabiam aquilo que já não era segredo para ninguém: a guerra estava perdida para a Alemanha. Mas resistir a Hitler tornara-se uma questão de honra, uma vontade de "escapar à ignomínia de nada ter feito". Durante muito tempo a história da resistência interna ao regime nazi foi esquecida. A culpa alemã era colectiva e absoluta.

Só há poucos anos é que o mundo percebeu que houve homens como Stauffenberg e muitos outros oficiais alemães que durante anos tentaram, sem sucesso, assassinar Hitler. E, finalmente, a última esperança que restou aos conspiradores quando perceberam que tinham fracassado tornou-se realidade. A frase é do general Henning von Tresckow - e é Kenneth Branagh quem a repete no filme: "Temos que agir agora [...] senão esta será sempre a Alemanha de Hitler. Temos que mostrar ao mundo que nem todos éramos como ele".

Claus von Stauffenberg morreu, frente a um pelotão de fuzilamento, na última hora desse longo 20 de Julho de 1944. "Viva a sagrada Alemanha!", gritou antes de cair. Sabia desde o início que o seu plano poderia falhar. Mas não poderia viver com a culpa de não ter tentado. "Acredito", escreveu um dia, "que o céu concede a sua graça aos que sacrificaram tudo para cumprir o seu dever".

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