Libertação do pai da bomba atómica paquistanesa preocupa ocidentais

Khan confessou, e depois desmentiu, liderar a maior rede de proliferação nuclear. Supremo decidiu ontem pôr fim a cinco anos de prisão domiciliária

a Abdul Qadeer Khan, aclamado como o pai da bomba atómica paquistanesa, foi libertado ontem, na sequência de uma decisão do Supremo Tribunal, que deixou o Governo francês "preocupado" e que a diplomacia americana considera "lamentável". O cientista estava em prisão domiciliária há quase cinco anos, depois de ter admitido que vendeu segredos militares à Coreia do Norte, Líbia e Irão - uma confissão que retirou em 2008.Logo após a decisão judicial, Khan saiu para o jardim da sua casa, em Islamabad, rapidamente invadido por jornalistas e apoiantes. "Agradeço a toda a Nação por ter estado ao meu lado nestes tempos difíceis", declarou o cientista, de 72 anos, que não quer retomar as actividades que deixou em 2004, preferindo dedicar-se ao ensino.
Os advogados de Khan, que nos últimos meses foi autorizado a algumas saídas precárias, disseram que o cientista não estará sujeito a qualquer restrição de movimentos e precisará apenas de autorização para viajar para o estrangeiro - confessou que planeia ir em peregrinação a Meca.
Mas é quase certo que as agências de segurança planeiam mantê-lo sob vigilância. Islamabad nunca admitiu que Khan se encontrava em prisão domiciliária, afirmando que as restrições que lhe foram impostas visavam a sua própria segurança. "O que o tribunal disse é que ele tem direito a protecção estatal, mas só se for por mútuo consentimento", explicou o advogado Ali Zafar, sublinhando que Khan nunca foi acusado de "proliferação nuclear ou qualquer outra actividade criminosa".
Musharraf implicado
O pai da bomba atómica paquistanesa - testada em 1998 pela primeira vez, 24 anos depois do ensaio inaugural indiano - foi afastado da chefia do programa nuclear em 2004. Existiam já fortes indícios de que Islamabad vendeu durante anos segredos e tecnologia a outros países (a Líbia renunciou em 2003 ao seu programa de armas de destruição maciça, ao abrigo de um acordo secreto com americanos e ingleses).
Numa confissão transmitida pelas televisões, Khan declarou-se como o "único responsável" pela rede de tráfico nuclear e o então Presidente Pervez Musharraf, sem esperar por qualquer investigação judicial, concedeu-lhe o perdão presidencial. Ao mesmo tempo, colocou-o em residência vigiada e rejeitava os pedidos para que fosse interrogado por investigadores internacionais.
Após quatro anos de isolamento, Khan quebrou o silêncio em Maio de 2008, para acusar o Presidente de o ter forçado a confessar que agira sozinho. Três meses depois, quando o general se preparava para abandonar o poder, revelou que foi Musharraf quem, em 2000, o autorizou a enviar centrifugadoras nucleares para a Coreia do Norte.
As novas autoridades de Islamabad escusaram-se a comentar a libertação, que ocorre num momento de crescente tensão com a Índia. Mas o Ocidente não escondeu o seu descontentamento. França declarou-se "um pouco preocupada" e disse "esperar que as actividades de proliferação da rede de Khan tenham acabado definitivamente". A Casa Branca disse que também Barack Obama quer "garantias que Khan não está implicado nas actividades que conduziram à sua detenção" e o Congresso avisou que a "alarmante" decisão paquistanesa será pesada quando forem analisadas as ajudas americanas ao país.
Mas estas inquietações não preocupam Khan. "Deixem-nos falar, nunca estão contentes", disse, acrescentando que não vai prestar esclarecimentos "a nenhum estrangeiro".

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