Estado pagou mais de 100 mil euros a Manuel Pedro, sócio da empresa que tratou do licenciamento do Freeport

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Salinas do Samouco Daniel Rocha (arquivo)

Um concurso entre conhecidos, um contrato duvidoso e despesas mal esclarecidas resultaram no pagamento, pelo Governo, de mais de 100 mil euros ao empresário Manuel Pedro - um dos nomes envolvidos no caso Freeport - e à sua mãe, entre 1999 e 2000. As verbas referem-se à sua participação na gestão do complexo de salinas do Samouco, em Alcochete - que o Estado expropriara como compensação ambiental à construção da Ponte de Vasco da Gama.

Manuel Pedro já tinha trabalhado para a Lusoponte, na recuperação inicial das salinas - um santuário para aves. Depois, elaborara uma estratégia de gestão para o complexo, juntamente com José Manuel Palma, ex-presidente da Quercus. Acabou por integrar a equipa de missão criada pelo Governo em 1998 para gerir as salinas e liderada por Palma.

Manuel Pedro era a pessoa ideal, segundo José Manuel Palma. "Ele é que conhecia as pessoas", afirma Palma. Além disso, detinha, através de uma empresa por si criada em 1989 - a Sociedade Europeia de Aquacultura (SEA) -, parte de uma antiga seca de bacalhau, que poderia servir à gestão das salinas. Vários documentos consultados pelo PÚBLICO junto da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo - que administrava a parte financeira da equipa de missão - revelam, porém, dúvidas tanto na contratação de Manuel Pedro, quanto sobre o aluguer das instalações.

O método da contratação, conduzido pela comissão de coordenação, foi o de uma consulta directa a três advogados que se conheciam bem. Um deles era Pedro Marques, ex-presidente da Câmara de Tomar, com quem Manuel Pedro negociara a instalação de um pólo da Universidade Autónoma naquela cidade, da qual era natural. O outro era Paulo Jorge Assunção, administrador da própria SEA. A adjudicação foi pelo menor preço - o de Manuel Pedro.

Paulo Assunção nega que tenha havido qualquer combinação. "Concorri com a melhor boa-fé a uma oportunidade real de trabalho. Mas o meu curriculum não foi aceite", afirma. Já Pedro Marques só se lembra de que tinha deixado a câmara em 1998 e procurava trabalho: "Não me recordo como é que concorri, se foi um convite directo ou se foi um anúncio".

Não foi possível contactar Manuel Pedro ontem. Há dias que o empresário não atende os telefones seus que o PÚBLICO conhece.

Por "serviços jurídicos", Manuel Pedro recebeu do Estado, nos últimos quatro meses de 1999, o equivalente a pouco mais de 20 mil euros. A partir de Fevereiro de 2000, passou a receber cerca de 2600 euros mensais.

José Manuel Palma diz que Manuel Pedro foi importante para a equipa de missão: "Era de facto o meu braço direito". Mas, ainda assim, pelo menos numa ocasião a equipa viu-se na necessidade de contratar um advogado externo, no princípio de 2000.

A maior fatia dos pagamentos do Estado, porém, foi facturada em nome da mãe de Manuel Pedro, Maria de Lurdes Abrantes. Foi com ela que a comissão de coordenação acordou o aluguer das instalações da SEA.

O contrato foi feito com base numa carta simples, em que Maria Abrantes não diz que relação tinha com as instalações, que nem sequer identifica bem. O imóvel era, na verdade, propriedade de outra empresa, a José Maria Vilarinho Pescas, de Aveiro, que o arrendara à SEA. Mas isto também não é mencionado.

A carta foi suficiente e Maria Abrantes recebeu pelo menos 17 mil euros de renda, segundo registos de pagamento consultados pelo PÚBLICO. Além disso, facturou mais 71 mil euros, pelo menos, por "serviços de manutenção".

Segundo José Manuel Palma, as despesas correspondiam à manutenção do imóvel em si, que estava em mal estado, e à gestão das próprias salinas, de acordo com listas predefinidas de trabalhos. Mas, na prática, o dinheiro era libertado pelo Governo mediante simples facturas globais, em nome de Maria Abrantes, sem detalhes. A morada era a mesma que Manuel Pedro utilizava na correspondência para tratar dos assuntos do Freeport.

Os montantes elevados dos serviços de manutenção geraram desentendimentos entre Manuel Pedro e José Manuel Palma. A colaboração do empresário com as salinas terminou com o fim da equipa de missão, em 2000, e não foi retomada quando, mais tarde, criou-se a Fundação para as Salinas do Samouco.

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