8 gémeos - Entre o milagre e a maldição

"Após semanas de trabalho, preparávamo-nos para fazer nascer sete gémeos
pela primeira vez nos EUA. Mas, a seguir ao sétimo bebé, o dr. Alexandro Vasquez disse: 'Esperem. Acho que estou a sentir uma mão.' Às 10h48, nascia o oitavo bebé."
A equipa do Kaiser Permanente Bellflower Medical Center nem queria acreditar.
A comunidade médica internacional também não.

a Dia 26 de Janeiro. Os bebés nasceram. Dia 27. As notícias continuam a ser boas. Dia 28. Os bebés e a mãe estão bem. Dia 29. Um bebé está a receber leite por uma sonda. Desde que nasceram os oito gémeos - seis rapazes e duas raparigas, no dia 26, no Kaiser Permanente Bellflower Medical Center, em Los Angeles, Califórnia, a equipa médica não deixa passar um dia sem descrever no diário, que pode ser lido no site do hospital, como corre cada momento do verdadeiro milagre. Contam tudo, ao pormenor, sobre o estado dos bebés desde que nasceram. Sobre tudo o resto, que antecedeu o dia do nascimento, nem uma palavra.Há uma parte negra nesta história feliz. Nadya, com 33 anos, tinha já seis filhos, entre os dois e os sete anos. Acaba de sair de um divórcio, vive em casa dos pais e, segundo a própria mãe, tem uma obsessão por ter bebés que até já a fez procurar ajuda de um psiquiatra.
"Ela não é má. Mas tem esta obsessão por bebés. Adora crianças e é muito boa mãe, mas obviamente que se excedeu. Só queria ter mais uma menina", disse ao jornal Washington Post Angela Suleman, a avó dos oito gémeos. Avó, ao todo, das 14 crianças de Nadya.
Não se conhece o pai das crianças. Talvez seja um militar em missão no Iraque, avançam uns. E também nada se sabe da razão que levou a que Nadya desenvolvesse uma gravidez múltipla com oito crianças. A família diz que ela se submeteu a tratamentos de infertilidade, sem especificar quais nem onde foi tratada.
Chegou ao Kaiser Permanente Bellflower Medical Center já com 15 semanas de gravidez. Os bebés nasceram às 30, nove antes do termo. Todos choraram à nascença, apesar da sua fragilidade: pesam entre 800 gramas e um quilo. E todos estão ainda a ser alimentados por sondas e por suplementos nutritivos que lhes entram pelas finas veias, ainda com os pulmões demasiado prematuros para estarem livres de perigo.
A equipa médica já estava preparada para um acontecimento extraordinário: o nascimento de sete gémeos. Mas a realidade conseguiu superar as expectativas. "Após semanas de trabalho, preparávamo-nos para fazer nascer sete gémeos pela primeira vez nos EUA. Mas a seguir ao sétimo bebé o dr. Alexandro Vasquez disse: 'Esperem. Acho que estou a sentir uma mão.' Às 10h48, nascia o oitavo bebé" , contam os médicos no diário do primeiro dia.
Questões éticas
A incredulidade não é só desta equipa. Médicos e cientistas levantam questões éticas e dizem que um nascimento destes não podia nem devia acontecer.
Fala-se logo de fertilização in vitro (FIV). Mas a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva diz que, sendo assim, quer saber quem foi o médico e a clínica que transferiu oito embriões criados in vitro para o útero desta mulher, para instaurar um processo por má prática médica.
"Podemos dizer que, se esta gravidez resultou de uma FIV, foram aplicados procedimentos muito para lá das nossas indicações", disse ao Observer Dale McClure, presidente da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva. Ao Washington Post, Eleanor Nicoll, porta-voz da mesma sociedade, afirmou: "Isto não devia ter acontecido. Não devia ter acontecido a concepção e o nascimento destes oito gémeos".
Esta é a segunda vez que uma mulher dá à luz oito gémeos nos Estados Unidos. Em 1998, uma mulher de origem nigeriana teve oito gémeos no Novo México. Mas um morreu pouco depois do nascimento. Os restantes sete estão bem e já celebraram o décimo aniversário. No caso dos oito bebés da Califórnia, estão todos bem, o que pode significar que se está perante a primeira vez em que oito gémeos nascem e sobrevivem. Disso não há registo no mundo.
António Pereira Coelho, obstetra, especialista em reprodução medicamente assistida, foi o médico que, em 1986, fez nascer o primeiro bebé português através de fertilização in vitro. E concorda com a indignação da associação de medicina reprodutiva norte-americana: "É uma aberração. Em qualquer fertilização extracorporal, o máximo de embriões que se transfere deve ser três", diz sobre a indicação internacional para a prática médica, que sugere entre um e três embriões implantados. Isto apesar de a lei de reprodução medicamente assistida portuguesa não limitar o número de embriões a transferir, deixando essa decisão à consciência do médico.
Tratar ou não
Pereira Coelho está mais inclinado para que Nadya Suleman, a mãe dos oito gémeos, se tenha submetido a uma estimulação ovárica - em que, por meio de medicamentos, a mulher com problemas de ovulação é estimulada a ovular - e depois inseminada artificialmente ou aconselhada a ter relações sexuais durante esse período com fim a alcançar uma gravidez.
Só que, depois da ausência de ovulação, pode acontecer uma hiperovulação, o que aumenta o risco de ocorrer uma gravidez múltipla, com todos os perigos que isso acarreta. Foi o caso, em Fevereiro de 2006, de uma mulher da Madeira que engravidou de seis gémeos. Todos acabariam por morrer já após o nascimento, na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
"Há casos de mulheres já com filhos que têm problemas em conseguir engravidar", lembra por sua vez o obstetra João Luís Silva Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, que conta que é frequente uma ausência de ovulação dar lugar a uma hiperovulação. "Nessas situações, desaconselhamos as relações durante a ovulação, para evitar gravidezes múltiplas. Foi o que aconteceu no caso da Madeira."
Pereira Coelho não se recusava a tratar uma mulher já com seis filhos. "Não recusava. Podia, quando muito, desaconselhar." Silva Carvalho também não diria que não: "Se ela quisesse, tratava. Mas nunca apanhei um caso assim." E desconfia também que os oito gémeos tenham tido origem numa FIV: "Se foi FIV, é má prática médica. Nunca se deve transferir mais de um ou dois embriões. Só em situações muito graves. Se a mulher tiver mais de 40 anos, e já se tiver submetido a vários tratamentos sem efeito, talvez transplantasse três", afirma o especialista.
Sobre tudo o que se passou antes do dia 26, da boca da família Suleyman, nem uma palavra. Pelo menos por enquanto.
Nadya Suleman terá já recrutado os serviços de uma empresa de relações públicas, a Killen Furtney, que será a responsável por negociar os direitos da história com várias editoras.
"Nadya é uma mulher muito pressionada nos últimos dias", disse Joan Killeen, apresentada pela BBC como a editora de Suleman. A mãe dos gémeos terá também já mostrado interesse em ser entrevistada por Oprah Winfrey.

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