Os direitos dos esquizofrénicos

Q uando se fala em esquizofrenia na comunicação social usa-se o termo como sinónimo de dupla personalidade, o que não deixa de surpreender. Os jornais referem a esse propósito posições contraditórias ou dissimuladas de alguém, que estaria a esconder a sua verdadeira face; ou acentuam o carácter escondido de algum comportamento, que escapa a uma observação menos atenta. Fala-se até por vezes em "esquizofrenia política" de um partido, quando os seus adversários pretendem desvalorizar alguma correcção de percurso, sentida pelos críticos como pouco séria.Este uso do termo "esquizofrenia", para além de pouco preciso, enquadra-se na habitual falta de respeito para com os doentes atingidos por essa afecção. De facto, poucos conhecem o significado correcto da palavra: trata-se de uma doença mental grave, que na maior parte dos casos segue um curso crónico e que pode provocar sérias alterações do pensamento e da percepção. A clínica da esquizofrenia pode ter várias facetas, com destaque para as ideias delirantes e as alucinações, surgindo no decurso da evolução perturbações do comportamento e alteração da personalidade, com ruptura psíquica em relação ao mundo exterior e marcada desadaptação social. Na realidade, a maioria dos doentes tem dificuldade em manter relacionamentos afectivos estáveis, tem problemas com a expressão emocional e perda das competências sociais; e muitos deles manifestam isolamento social e conflitos interpessoais na família.
Na origem da esquizofrenia podem concorrer factores genéticos, infecções perinatais ou na primeira infância, podendo as drogas precipitar a psicose num indivíduo vulnerável sob ponto de vista genético. Como a prevalência da doença é de 0,5 a 1 por cento da população, estima-se que cerca de 50 mil portugueses sofram de esquizofrenia, dos quais apenas 25 por cento estarão a desempenhar funções profissionais, muitas vezes apenas de carácter ocupacional: só esta minoria de doentes terá um emprego, aliás pouco remunerado, pois a maior parte dos esquizofrénicos não trabalha ou vive de pensões.
É notável, no entanto, o progresso conseguido no tratamento da esquizofrenia. Novos fármacos anti-psicóticos permitem um muito melhor controlo dos sintomas e novas estratégias de ressocialização conseguem uma melhor adaptação social, mesmo em casos que pareciam à partida de mau prognóstico. O problema é que, em Portugal, o acesso aos cuidados psiquiátricos não é fácil, deixando muitos doentes sem tratamento: por isso, é crucial aumentar a consciência da comunidade sobre este problema, começando justamente por não utilizar o termo de maneira desajustada.
Os doentes esquizofrénicos e as suas famílias merecem melhor acesso ao tratamento, serviços de psiquiatria com melhores condições e, sobretudo, possibilidade de usufruir de todas as modernas técnicas terapêuticas, o que deve incluir apoio psicoeducacional para os familiares. A investigação tem demonstrado que uma correcta intervenção junto das famílias, com sessões estruturadas sobre a natureza da afecção, esclarecimento sobre os sintomas e reforço sobre a necessidade de adesão à terapêutica são da maior importância, sobretudo se acompanhadas de recomendações aos familiares para evitarem os conflitos e as críticas aos doentes.
O interesse que os meios de comunicação social portugueses costumam dedicar a temas de saúde mental, com foco em doenças mais raras com a anorexia nervosa (tão do agrado dos media), deveria ser deslocado para a atenção ao problema da esquizofrenia. Sabe-se que esta doença provoca acentuada sobrecarga familiar, só possível de minorar com intervenções de apoio à família: é tempo de os jornais contribuírem para a luta contra o estigma de que estes doentes sofrem, ao serem considerados loucos e perigosos, quando merecem ser apoiados nos seus problemas e tratados nas melhores condições que for possível.
Se usarmos o termo "esquizofrenia" com mais rigor, estaremos desde logo a iniciar o processo de luta pelos direitos desses doentes, o que será um bom começo. a

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