"Sempre vi a peça como dois homens que se preparavam para um combate"

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O argumentista vê "Frost/Nixon" como um combate de boxe político

Um mês depois do "press junket" de "Frost/Nixon", Peter Morgan atendeu o telefone nos escritórios londrinos da Universal. Era inevitável querermos falar com o argumentista de "A Rainha", "O Último Rei da Escócia" e "Duas Irmãs, Um Rei": pela sua capacidade de combinar as esferas do público e do privado num mesmo guião, para saber por que é que aceitou adaptar ao cinema a peça que escreveu.
Excertos de 20 minutos de conversa.

Por que é que escreveu "Frost/Nixon" para teatro e não para cinema?

Nunca pensei que desse um bom filme e tenho a certeza que, se lhe dissesse sobre o que era, você também não o acharia! Quando quiseram comprar os direitos, fiquei bastante chocado. Estava muito satisfeito com "Frost/Nixon" enquanto peça, mas fiquei bastante nervoso com a possibilidade de o filme de algum modo a "danificar". Mas estavam dispostos a pagar-me bem, e pensei: "Vamos lá ver o que é que acontece." As pessoas que mostraram interesse eram cineastas hábeis, profissionais, e isso levou-me a pensar: "Por que é que esta gente toda está a vir dizer-me que isto podia ser um bom filme?"

Teria preferido que fosse outra pessoa a adaptá-la?

Não tenho certeza. Sei que foi bom ter o Ron Howard a trabalhar comigo, porque deixado à solta eu teria metido a pata na poça. O meu instinto natural teria sido "desbastar" muito mais a peça; o Ron encorajou-me a guardar muita coisa. Originalmente, a peça decorria num palco vazio, apenas com ecrãs de televisão. Os factos reais tiveram lugar em Sydney, Nova Iorque, Londres, Washington e na Califórnia; já são mais milhas aéreas que num filme do James Bond... E dei por mim a pensar que afinal a escala do projecto era muito maior do que tinha pensado.

Michael Sheen e Frank Langella disseram que sentiram a necessidade de "minimizar" as suas interpretações em relação ao que tinham feito em palco. É curioso que você tenha ido na direcção oposta, ao "preencher" o que na peça ficara por dizer...

É uma observação interessante. Nunca tinha pensado nisso dessa maneira, mas é absolutamente verdade. Sentimos que tínhamos de ir mais longe, de pormenorizar, de "abrir" a peça; o argumento pintava uma tela bastante vasta e os actores estavam a pintar uma miniatura.

Chamou-lhe "um Rocky para gente que pensa"...

Sempre vi a peça como dois homens em preparação, duas equipas que, tal como no boxe, se preparavam para um combate onde haveria grandes recompensas para o vencedor e o perdedor desapareceria no esquecimento.

Uma espécie de combate de boxe político?

Sim, absolutamente.

Muito do seu trabalho como argumentista tem sido sobre a ambição.

Acho que tem razão. Historicamente, a ambição sempre foi considerada um pecado e tornou-se hoje uma espécie de virtude. Discordo disso, acho que a ambição está sempre ligada aos danos emocionais, à complexidade do carácter das pessoas. As pessoas ambiciosas são sempre gente perturbada, confusa, emocionalmente complexa. E isso torna-as muito atraentes para mim enquanto dramaturgo.

O reconhecimento também parece ser um tema recorrente: personagens que querem ser reconhecidas, aceites...

É possível, não sou capaz de o julgar. Tento não analisar o meu próprio trabalho, porque me paralisaria, mas percebo o que está a dizer. Certamente o tema da reabilitação está no centro de muito do que escrevo.

O filme sugere que, apesar de ser Frost quem sai por cima, Nixon pode ser o verdadeiro vencedor; ao deixar Frost vencer, cumpre aquilo a que se propôs ao aceitar a entrevista.

É-me difícil partilhar essa opinião. Quando olho para o modo como a história julga Richard Nixon, para a reacção que o nome dele ainda suscita nos EUA, não fico nada com a sensação que ele tenha sido efectivamente reabilitado. O nome dele ainda está associado ao escândalo e à desgraça... A única pessoa que poderia reabilitá-lo seria George Bush, mas esse parece ter herdado o manto de Presidente americano mais impopular de sempre, ou pelo menos na história recente.

Mas ao permitir-lhe essa pequena vitória pessoal, não lhe está a permitir uma pequena reabilitação, por mais pequena que seja? Estou a pensar na cena do telefonema a Frost.

Esse telefonema é um acto profundamente autodestrutivo. Nixon, compreendendo que vai ganhar, telefona ao seu opositor e motiva-o para o destruir. Não me parece que seja um acto de vitória gloriosa.

Abre a porta para uma espécie de paz de espírito.

Uma certa nobreza na derrota? Compreendo porque o diz, e julgo que alguns apoiantes de Nixon concordariam consigo, mas não o creio. Repare, Jimmy Carter foi um presidente profundamente impopular, mas conseguiu reinventar-se e reabilitar-se, e quando ele morrer as pessoas vão recordar-se do homem honrado que foi. Um pouco como o discurso em que John McCain concedeu vitória [nas eleições americanas], que nos levou a olhar para ele de outra maneira depois de tudo o que ficou para trás. Não creio que isso tenha acontecido alguma vez com Richard Nixon.

O que é que fascina tanto os europeus nesta história?

Estávamos todos muito intrigados quanto ao interesse que poderia ter internacionalmente. Obviamente que ele existia em Inglaterra, porque David Frost é inglês, mas também porque o filme pode ser lido como uma metáfora da relação entre a Inglaterra e a América. Mas todo o ciclo eleitoral de 2008, primeiro com as primárias entre Barack Obama e Hillary Clinton, depois na eleição entre Obama e John McCain, cativou o mundo por razões óbvias: quem é o ocupante da Casa Branca tem uma importância significativa no resto do mundo. E li que várias pessoas achavam que, por causa disso, todos os cidadãos do mundo deviam ter direito a votar nas eleições americanas. Por muito fortes que sejam as nossas emoções relativamente a Obama e McCain, também o eram relativamente a Richard Nixon naquela altura. As audiências do caso Watergate foram acompanhadas em todo o mundo...

Disse em tempos que preferia não ter de conhecer as pessoas sobre as quais escreve, mas parece ter uma predilecção especial para escrever sobre pessoas reais...

É verdade, mas não precisamos de os conhecer. Podemos falar com quem os conhece, ler biografias, fazer pesquisa... E penso que elas também devem preferir isso. Não estou interessado em fazer as pessoas sentirem-se desconfortáveis.

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