Português à porta dos Doors

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Rui Pedro Silva viu "Contigo torno-me real" premiado no Festival do Livro de Londres. Livro de fã, não de fanático, diz

Não está vestido de couro preto. Também não vem com cigarro na mão. E muito menos com t-shirt dos Doors ou de Jim Morrison. Depois de ter escrito uma tese de licenciatura sobre Jim Morrison e de ter passado sete anos a investigar e a escrever um livro dedicado ao grupo, Rui Pedro Silva, 32 anos, não é o típico admirador que traz os ídolos no corpo, roupa ou gestos. Nele encontramos apenas um traço exterior que lembra Morrison: o cabelo pelos ombros, corte semelhante ao do Rei Lagarto. Não precisa de mais nada porque a banda já está gravada no seu ADN, explica ao Ípsilon.

A versão nacional de "Contigo torno-me real" foi editada em 2003, pela Afrontamento. Em 2008, o autor reeditou o livro, numa versão internacional, que ganhou no mês passado menção honrosa (área não-ficção) no Festival do Livro de Londres. "Não é mais um livro sobre os Doors. É um novo livro sobre o grupo", assegura Rui Pedro Silva que considera as obras existentes demasiado centradas em Morrison.

O título, inspirado na canção "You make me real" ("Morrison Hotel", 1970), pretende traduzir a sensação de realidade que os Doors transmitiram a várias gerações. "Contigo tornome real", escrito não com perspectiva de fã, mas com uma componente jornalística factual, prepara-se para ser publicado nos EUA, em versão inglesa, em 2009.

Inéditos

Uma simples pesquisa numa livraria online remete-nos para um conjunto interminável de livros sobre os Doors. O português não teve, contudo, muita dificuldade em encontrar espaço nessa bibliografia.

A primeira e segunda parte de "Contigo torno-me real" são constituídas por uma base factual extensa e testemunhos originais de dois Doors e de personalidades ligadas ao grupo, como Vince Treanor ("road manager"), Kathy Lisciandro (secretária dos Doors e de Morrison), Bill Siddons ("manager") ou Bruce Botnick (engenheiro de som).

O livro apresenta ainda depoimentos de músicos cuja relação com os Doors era desconhecida do grande público: Larry Knechtel (baixista de estúdio do primeiro álbum, "The Doors"), Ray Neapolitan (baixista em "Morrison Hotel") ou Chico Batera (baterista de Chico Buarque que trabalhou com os Doors em 1972).

A terceira parte é dedicada ao culto que é prestado a Morrison e à banda. Ray Manzarek, organista, escreveu para o livro um inédito: "Jim Morrison era um xamã. Ele era o Dionísio personificado numa veste do século XX", lê-se. Já o guitarrista Robby Krieger contribui com um comentário, abrindo uma excepção, já que não costuma participar nestes projectos.

"O Jim foi o amigo mais influente e mais espectacular que alguma vez conheci". De John Densmore, baterista, aparece um excerto da sua autobiografia, "Riders on the Storm", seleccionado por Rui Pedro Silva.

Mas não é só de texto que vive "Contigo torno-me real". Fotos novas dos três Doors acompanham os depoimentos. Elementos do "staff" original do grupo também não escaparam à objectiva de Rui Pedro Silva. Da ilustração destaca-se uma foto inédita do mítico clube "Whisky À Go-Go", de 1966. Foi neste espaço que Jac Holzman descobriu os Doors e assinou contrato com a banda. Um cartão de visita, raro, dos Rick and The Ravens (grupo de Manzarek que viria a dar origem aos Doors, depois da entrada de Morrison, Densmore e Krieger), o menu de vinhos e cocktails, do Turkey Joint West, clube onde os Rick and The Ravens tocavam, são outras preciosidade do livro.

Algo que se entranhou

Depois de um livro com mais de 500 páginas, que demorou sete anos a ser concluído, é por demais evidente que não estamos perante um simples admirador. O autor realça, contudo, que a sua relação com o grupo não é de fanatismo: "Os Doors são a minha banda de eleição mas oiço outros grupos. Não acordo a pensar que tenho de ouvir Doors". Lembra-se de ouvir pela primeira vez os Doors aos sete anos, na festa de aniversário de um amigo. "Ninguém me deu a conhecer os Doors ou me influenciou. Foi algo que se entranhou".

O "mega processo de investigação" começou com uma tese de licenciatura sobre o contraste entre o homem Jim Morrison, e o seu mito, o Rei Lagarto. Em 2001, a Warner e a Rádio Comercial consideraram Rui Pedro Silva o maior fã dos Doors em Portugal. O prémio? Uma viagem até Paris, a 3 de Julho de 2001, para assistir ao 30º aniversário da morte de Morrison. A cerimónia decorreu na presença de milhares de fãs no cemitério de Père Lachaise e houve também uma homenagem restrita na sala do teatro Les Bouffes Du Nord onde estiveram presentes Manzarek e Danny Sugerman (biógrafo). Rui Pedro Silva não veio para casa sem mostrar a sua tese de licenciatura a Manzarek e Sugerman, que a autografaram. Mais tarde, ambos pediram-lhe uma versão em inglês. O ponto de partida para o estabelecimento de uma relação com os membros dos Doors aconteceu a partir da tese.

Após a viagem a Paris, surgiram convites de editoras portuguesas para que escrevesse um livro a relatar os acontecimentos do Père Lachaise. Mas já existiam relatos na internet e, por isso, Rui resolveu partir à descoberta da "verdadeira essência dos Doors". Fez-se à estrada e percorreu os trajectos parisienses de Morrison, entrevistou amigos do cantor e poeta, e com as informações recolhidas constituiu uma base factual precisa que se encontra narrada e ilustrada na terceira parte da obra. A viagem decorreu física e virtualmente, muitas vezes pela noite dentro, com a troca de emails e faxes às quatro da manhã. Ganhou a confiança dos outros Doors.

A convite de Michelle Campbell, fotógrafa que faz a cobertura dos aspectos de culto dos fãs do grupo em Paris, regressou ao Père Lachaise para celebrar o aniversário de Morrison, no dia 8 de Dezembro de 2001. Mais uma viagem, mais um conjunto de experiências, mais um capítulo no livro.

Concluiu, em 2008, "Contigo tornome real". Mas se surgir material inédito ou novos dados (poesia de Jim Morrison e outros trabalhos encontram-se retidos por entraves de copyright) não descarta a possibilidade de voltar a abrir as portas da percepção, com a edição de um novo trabalho.

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