António Jorge Pacheco: É muito mais importante desenvolver a ONP do que ter a Filarmónica de Berlim a tocar no Porto

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A prioridade de António Jorge Pacheco será desenvolver e qualificar as potencialidades da Casa PÚBLICO

António Jorge Pacheco (n. Porto, 1960) é desde ontem o novo director artístico da Casa da Música, sucedendo a Pedro Burmester. Não é um cargo inédito para o novo responsável, que já o assumira interinamente entre Novembro de 2005 e Março de 2006. Quando foi anunciada, em Junho passado, a sua escolha foi apresentada como uma solução “consensual e de continuidade”, o que não causou estranheza tratando-se de alguém que, desde 1999, trabalhou com Burmester no delinear do projecto da Casa da Música para o Porto 2001, além de ser a única pessoa que, desde essa data, se manteve ininterruptamente ligada à instituição.

Quando chegou à Casa da Música, António Jorge Pacheco tinha já um percurso na área da programação, nomeadamente no Europarque, na Feira, mas também como consultor na Casa das Artes de Famalicão e na Fundação Luso-Internacional. Também fizera crítica de ópera, dando expressão a uma das suas afinidades electivas, apesar de a sua formação ter passado pela engenharia e pelas matemáticas. É, desde 2004, membro da direcção da Rede Varèse, e, desde 2006, do European Ensembles Network, lugares a que chegou, principalmente, por via do seu trabalho com o Remix Ensemble, grupo residente da Casa da Música, que alcançou já grande notoriedade internacional.

Quando foi apresentado como novo director artístico da Casa da Música, foi dito que se tratava de uma escolha natural e de continuidade. Qual vai ser a sua marca?

Em primeiro lugar, há, de facto, uma continuidade. O projecto tem uma identidade, que está afirmada no contexto nacional e começa a afirmar-se no contexto internacional. Portanto, as expectativas são altas, o desafio é grande, mas tendo sido eu colaborador próximo do Pedro Burmester desde 1999, e estando já lançado o programa, praticamente inteiro, de 2009 – com o qual, de resto, me identifico totalmente, porque participei nele –, a primeira marca será a continuidade. Mas continuidade não é estagnação. Os tempos mudam, aparecem crises, que podem obrigar-nos a reformular alguns aspectos da nossa actividade. Mas as minhas grandes preocupações situar-se-ão ao nível do desenvolvimento do enorme potencial existente. A Casa da Música tem uma situação privilegiada e única no mundo: tem dentro da sua organização, e não simplesmente em residência, como acontece com outras casas, uma orquestra sinfónica, o Remix Ensemble, uma orquestra barroca e, no final deste ano, terá um coro profissional. E tem o controlo directo, artístico, sobre todas estas estruturas


É uma situação única a nível mundial?

Não conheço outra. O que quer dizer, desde logo, que há uma estratégia e uma aposta clara em desenvolver o nosso próprio modelo. Nós somos produtores, de facto. Não somos uma sala de acolhimento. Isso baliza logo o projecto. Uma das minhas preocupações irá no sentido de desenvolver esse potencial.


Como vai fazer isso, em termos práticos?

Para começar, temos como directores musicais em cada um dos quatro grupos personalidades de reputação e com créditos internacionais confirmados. Isso situa as expectativas muito alto. A única instituição a criar será o Coro, que sendo um projecto novo, terá da minha parte uma atenção muito especial.


Participou na escolha de Paul Hillier [que vai formar e dirigir o coro]?

Foi uma escolha de equipa, como quase todas as decisões magnas e importantes na Casa da Música. O Paul Hillier foi nomeado ainda no tempo do Pedro Burmester como director artístico. A maior responsabilidade é dele, mas é óbvio que eu tive alguma influência na decisão. A proposta foi feita em Abril, quando Paul Hillier – que, se quiser, pode dirigir qualquer coro no mundo – dirigiu um concerto com o Remix Ensemble. Nessa altura, ele, estando dentro da Casa e apercebendo-se do seu projecto artístico e da sua dinâmica, sentiu que se identificava com eles, e via aí uma margem de progressão. Era também para ele uma oportunidade de desenvolver dentro de uma grande instituição um projecto novo, começá-lo do zero e moldá-lo à sua imagem.


As audições vão avançar já. Quantos candidatos tiveram?

As audições para o coro começam já em Janeiro. Tivemos 200 candidatos, basicamente portugueses e estrangeiros residentes em Portugal. Pusemos a fasquia bastante alta nas condições de aceitação e da missão das candidaturas, e estamos satisfeitos com o número e com a qualidade das candidaturas. Temos grandes expectativas em relação a este projecto, que faltava, pois estava já inscrito nos objectivos da Casa da Música desde a Porto 2001…


O Coro passou à frente do Estúdio de Ópera, que entretanto foi desactivado. Isso significa que é mais importante?

São dois projectos completamente diferentes. E já que estamos a falar do Estúdio de Ópera, convém ir atrás e ao contexto em que ele nasceu. Havia uma reunião de vontades e de afinidades em três estruturas da cidade – sempre pensámos o projecto em termos da cidade e não de um ponto de vista egocêntrico. Havia, na altura, quer da parte do Teatro Rivoli, quer do Teatro São João, a vontade de, com a Casa da Música, ter um centro de formação e de produção de ópera em rede entre as três instituições. A ideia era que a Casa da Música providenciaria aquilo que está nas suas competências, a formação, e o Rivoli e o São João trariam as competências cénicas e a experiência de produção. Esse contexto desapareceu. E a Casa da Música ficou com uma estrutura numa situação híbrida, quase só, praticamente, com a componente da formação – é certo que havia todos os meses um recital, mas o projecto caiu num impasse...


Está, então, definitivamente posto de parte o regresso do Estúdio de Ópera?

Neste momento, está. Falta esse contexto que existiu à partida.


Voltando à questão inicial. Quem conhece a sua relação de amizade, e a sua cumplicidade, com Pedro Burmester, poderá ter, a partir de agora, alguma dificuldade em discernir qual vai ser a sua marca. Isso é uma preocupação para si?

Não é uma preocupação. A Casa da Música, independentemente das pessoas que possam dirigi-la do ponto de vista artístico, tem uma missão bem definida, em que o serviço público é um dos seus pilares. Por outro lado, seria completamente incoerente da minha parte, tendo participado na concepção do projecto tal qual ele existe, que eu viesse agora propor alterações radicais. Este é o projecto com o qual me identifico. Não tenho nenhuma obsessão em deixar uma marca pessoal.


A programação de 2009 já foi apresentada, o que significa que o seu programa só vai ser conhecido em 2010. O que é que ele vai trazer de novo de seu?

Como disse, a grande aposta será desenvolver o potencial que existe. Temos uma Orquestra [Nacional do Porto] neste momento em grande forma e com uma margem de progressão enorme, nomeadamente no campo internacional. Mas não se pode esperar de mim alterações radicais. Interessa-me desenvolver e qualificar. Por exemplo, o Clubbing, que é um fenómeno de sucesso. Já vem de alguns meses, em discussões entre mim e o Pedro, a necessidade de marcar a nossa ênfase nos conteúdos do Clubbing, e que ele não seja meramente um espaço de entretenimento – mesmo que isso seja bom.


Curiosamente, têm-se ouvido críticas à programação mais recente do Clubbing, que terá deixado de apresentar apostas de risco, e que se mostraria mais dependente do circuito próprio desse género de música.

Não é esse o meu ponto de vista. A aposta tem sido certa, no sentido de escolher nomes que não são os óbvios… Mas a Casa da Música não se deve sobrepor ao mercado existente. Essa sempre foi uma preocupação nossa, em todas as áreas. Isso levar-nos-ia à questão do fosso de orquestra, que é muito falada, mas, na maior parte das vezes, por falta de informação. Não queremos reproduzir aquilo que, na cidade, o mercado já oferece. O Clubbing será sempre um espaço de entretenimento, mas com uma grande ênfase nos conteúdos da experimentação. Por exemplo, para Fevereiro estão anunciados os Tindersticks…


… Que não são grande aposta enquanto novidade.

Mas representam alguma música concreta alternativa. O que não quer dizer que não se programe no mesmo plano bandas que sejam populares, que tenham um público mais alargado. Isso pode acontecer ocasionalmente.


A entrada do jazz e da música clássica no alinhamento do Clubbing vem nesse sentido?

A partir já do dia 9, vamos ter um palco para música clássica, em que as pessoas podem sair para outro tipo de ambiente. Em Maio haverá um Clubbing em que entrará o Remix Ensemble. E no futuro haverá, com certeza, oportunidades para aí meter a ONP, com projectos que façam sentido. Este será um dos aspectos em que haverá uma evolução, na qualificação dos conteúdos do Clubbing. E posso anunciar, em primeira-mão, que fizemos uma encomenda – será já a segunda – ao Steve Reich para ele escrever uma peça para uma banda rock. É um projecto que faz todo o sentido entrar no Clubbing.


Qual vai ser a banda portuguesa envolvida?

Será uma banda expressamente constituída para o efeito. É uma parceria com outros festivais, e em cada país será constituída uma banda. Com isto queremos qualificar e tornar o Clubbing mais pertinente do ponto de vista musical.


E novidades para 2010?

Em 2010 vamos ter três aniversário redondos, que sendo momentos de celebração são também alavancas para iniciativas: há o 5º aniversário da Casa da Música e o 10º aniversário do Remix, em Abril (mês em que o Ensemble irá tocar, pela primeira vez, na Cité de la Musique, em Paris), e da formação sinfónica da ONP, em Outubro. E o país-tema desse ano será a Áustria. Assinalaremos também os 150 anos do nascimento de Mahler (e, no ano seguinte, passarão os 100 anos sobre a sua morte)...


Na apresentação da programação para 2009, disse que a Casa da Música quer continuar a correr riscos. Que riscos é que ela pode correr num ano de anunciada crise económica, certamente com reflexos no seu orçamento?

Daquilo que sei, 2009 vai ser, apesar de tudo, um ano estável, do ponto de vista orçamental. Porque a fundação, fazendo jus ao seu nome, soube, desde que foi criada em 2006, gerir o seu orçamento de forma a criar um fundo para poder responder a um momento como o ano de 2009, que será necessariamente de crise. Já 2010, ninguém sabe o que irá ser, nem eu nem os gurus da economia mundial. Este ano, vamos cumprir a programação anunciada. E tem sido uma grande preocupação deste conselho de administração, sempre que há ajustes a fazer em termos do orçamento global da Casa, que a programação seja a última a ser afectada.


Faz uma avaliação positiva da opção pelo modelo fundação?

Faço. Até porque sempre foi esse o modelo que defendi no seio do grupo de trabalho da Casa da Música. De resto, todo o grupo defendia isso. Como se tem visto, é a solução melhor.


Como é que a crise está já a determinar a programação para 2010?

Estou a fazê-la com algumas cautelas, mas com o conforto de saber que a ONP, o Remix, a Orquestra Barroca e também o Coro serão todos para continuar. Como o Clubbing, e o Ciclo de Piano, e o Serviço Educativo... Isto não impede que tenham de ser feitos ajustes e, eventualmente, deixarmos de realizar alguns projectos, para manter o essencial da nossa missão.


Nuno Azevedo [administrador executivo da fundação] anunciou que a sua passagem a director artístico poderia obrigar a alguns retoques no figurino, nomeadamente com a criação da figura do coordenador artístico. Há novidades nesse domínio?

Há. Foi já nomeado para trabalhar comigo o Alexandre Santos, que tem sido o responsável pelo Festival de Música de Espinho, pela programação do auditório de Espinho e também da Academia de Música desta cidade. É alguém que conheço há anos e em quem reconheço uma enorme competência e seriedade. De resto, estou numa situação privilegiada, porque tenho uma equipa de grande competência e dedicação. Haverá pequenos reajustes no organograma, nomeadamente o Rui Pereira, que para além de continuar a ser o responsável pela parte editorial da Casa da Música, será também meu assessor.


É principalmente conhecido como o homem do Remix e da música contemporânea. Isso não poderá fazer temer algum desequilíbrio nas suas apostas?

A minha ligação ao Remix pode ser a imagem pública, e cria uma ênfase num determinado aspecto daquilo que têm sido as minhas funções. Mas não é só isso. Eu também estive na fundação da Orquestra Barroca… A minha missão foi trabalhar com o Pedro em toda a área da música clássica, desde o barroco até ao ciclo de piano e à discussão da programação da ONP. Obviamente que a música e a criação contemporâneas têm sido uma marca nossa, e têm sido parte importante da nossa missão. A criação contemporânea de hoje é o património de amanhã. Mas não tem sido uma área exclusiva. Tenho gosto por vários géneros musicais, desde a música popular e o folclore até ao pop-rock e à clássica. E tenho, claro, os meus gostos pessoais, mas que não influenciarão a minha política de programação. A minha missão será continuar a manter a pluralidade, e o equilíbrio entre as várias expressões, assegurando a representatividade e a relevância de todos os géneros musicais nos quais apostamos.


Recentemente, António Pinho Vargas criticou as opções de programação do Remix dizendo que ela privilegia a vertente francesa e alemã. Também se tem assistido repetidamente ao regresso de alguns compositores e músicos, como Emmanuel Nunes e Mário Laginha, por exemplo. Isto significa que a Casa da Música tem o seu núcleo privilegiado de nomes, e até de instituições e países?

Não. Os nossos critérios de escolha de colaborações têm a ver apenas com a relevância de cada uma delas. O facto de a Casa da Música estar a fazer muito em determinadas áreas leva, muitas vezes, a essas críticas. É claro que se nós não fizéssemos nada, não nos podiam criticar, porque não haveria por onde o fazer. Como fazemos muito, fazemos muitas encomendas e tocamos muitos compositores… Mas não podemos ir a todas.


Quais são os critérios de escolha dos compositores, das instituições e das redes [a Casa da Música é membro da Rede Varèse] com quem trabalha?

Há aí vários equívocos. Primeiro, a Rede Varèse é uma plataforma importantíssima de circulação de obras e de compositores a nível europeu, mas não é a única via de colaboração internacional da Casa da Música. Há outras. Ela tem sido, em muitos aspectos, utilíssima, e criou uma imagem de alguma hegemonia de um eixo franco-alemão, mas os factos são o que são. A Rede Varèse, que tem 21 membros, desde que começou a ter actividade no ano 2000, apoiou, divulgou e pôs em circulação europeia 42 projectos. Uma instituição como o IRCAM [Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique], de Paris, esteve envolvido em 14 desses projectos, dos quais apenas dois eram de compositores franceses. O Festival de Estrasburgo esteve envolvido em 21 projectos, dos quais também apenas dois eram franceses. Isto quer dizer que eles acolheram obras e projectos de muitas outras nacionalidades – isto é que é a Rede Varèse, é a troca que ela proporciona. E a Casa da Música esteve envolvida em 11 projectos, através dos quais promoveu, na Europa, nove compositores portugueses. Estes são os factos.


A Casa da Música tem dado, de facto, especial atenção à música portuguesa. Faz parte da sua missão de serviço público. Há algum critério de quotas?

Não há quotas. Seria muito prejudicial para os compositores portugueses se as houvesse, porque isso passaria a mensagem de que eles estão cá não pelo que valem mas por um critério de proteccionismo. O que conta é a relevância da sua actividade. Mas a Casa da Música não pode responder a todos os problemas actuais, passados e futuros, da música portuguesa. Dentro daquilo que pode fazer, tem feito muito, e fará mais. Não se pode é esperar que a Casa da Música tenha a responsabilidade de, por exemplo, um Ministério da Cultura. Seria exagerado. Tem-se feito muito, e repetiria mesmo que há, claramente, um antes e um depois da Porto 2001 e da Casa da Música em termos de criação contemporânea portuguesa, em encomendas, na interpretação e na projecção internacional. A Casa da Música, através nomeadamente do Remix Ensemble, já abriu portas, desde 2001, a mais de doze compositores portugueses. É um número considerável, e vai continuar. E os locais onde o Remix interpretou estes compositores são palcos importantíssimos, em cidades como Berlim, Viena ou Paris.


Já aconteceu algum caso de um compositor português convidado pela Casa da Música ter recusado esse convite?

Não. Pode ter havido um caso ou outro de um compositor não se ter revisto no projecto que lhe apresentámos e ter proposto algo diferente, o que é natural.


Tem sido mais fácil para a Casa da Música lidar com instituições portuguesas ou estrangeiras. Por exemplo, a Gulbenkian, o Teatro São Carlos, o CCB…

Desde que existimos, temos tido dezenas de colaborações com instituições portuguesas. Mas a forma como a Casa da Música programa, e a antecipação com que programa, faz com que haja uma certa incompatibilidade nos timings de outras instituições. Por exemplo, a ONP tem feito uma pequena tournée nacional por ano, mas dado o estado em que estão os teatros municipais espalhado pelo país – e Portugal está, nesse aspecto, muito bem equipado –, há uma desorçamentação, essas instituições vivem com grandes dificuldades e o timing com que nos podem responder, por vezes, torna-se complicado para nós, que trabalhamos sempre com uma antecipação de ano e meio, dois anos. Essa interligação nem sempre é fácil. Mas temos feito um grande esforço no sentido de nos aproximarmos dessas instituições. Por outro lado, até pela natureza daquilo que fazemos, uma fundação como a Gulbenkian tem sido um parceiro estratégico para nós. Mas já fizemos co-produções com o CCB, a Culturgest, o S. Carlos e, no Porto, com o Rivoli e com os teatros de São João e do Campo Alegre…


Em que ponto está a relação da Casa da Música com o Porto, com a sua cidade?

Já se ultrapassou uma fase em que alguns sectores da opinião pública tinham a sensação, errada, de que a Casa da Música ia ser a Casa da Música clássica. Nunca o foi, e já o provámos. O jazz tem o seu público, como a música popular tem o seu. O que nos interessa é que eles se misturem e se cruzem. Daí os festivais temáticos que fizemos, para estimular, no público, o dar um passo seguinte e vir ouvir um género de música que nunca ouviram, ou ouvem pouco, e por isso não sabem se gostam ou não. Queremos que as pessoas arrisquem e acreditem na marca Casa da Música, que oferece qualidade. Qualquer que seja o género, fazemo-lo com a mesma dignidade e o mesmo grau de exigência. Só a qualidade é popular, o resto é populismo.


A Casa da Música nasceu com uma Capital Europeia da Cultura. Em 2012 vai haver nova Capital da Cultura aqui perto, em Guimarães. Está alguma colaboração prevista, já foram convidados ou contactados para isso?

A Casa da Música está aberta, como não podia deixar de ser, a colaborar. Mas ainda não fomos sondados, e imagino que seja prematuro. Mas espero que ser Capital da Cultura seja tão benéfico para Guimarães como o foi para o Porto, e que consigam pensar em termos estruturantes.


Participou na elaboração do programa da Casa da Música. Dez anos passados, o que agora existe corresponde ao que então imaginaram? O que é que ficou pelo caminho e o que é que surgiu durante o percurso, e que vocês não tinham previsto?

Neste momento, o Coro é o que mais falta nos faz. Ele justifica-se, porque há uma tradição no Porto de as pessoas cantarem em coro – e os portuenses gostam de o fazer. O Coro vai permitir que a Casa da Música alargue o seu reportório, e que apresente um vastíssimo reportório do que é o património coral português, desde a Renascença até aos nossos dias. É uma lacuna que sentíamos. No resto, a sociedade mudou tanto desde 2001… Nesse aspecto, o Pedro sempre pensou a Casa como algo que deve estar aberto à mudança, aos sinais da sociedade.


Dê-me um exemplo de algo que não tenha sido inicialmente pensado, mas que acabou por ser integrado no programa.

Não nos tinha passado pela cabeça, por exemplo, fazermos um Festival Obra Aberta, no decorrer das obras. A certa altura, pensámos: “É a loucura total”. Mas foi feito numa altura crucial, foi um sinal importantíssimo, para a cidade e para as pessoas, daquilo que era a variedade da programação e o sentido de risco do projecto.


Outra situação: ninguém esperava – nem mesmo nós, com as ambições que tínhamos – que o Remix iria conseguir afirmar-se tão rapidamente como o fez. Foi um caso de verdadeiro sucesso – não há que fugir à palavra.

Por que é que isso aconteceu desse modo?

Aconteceu porque foi feita uma muito boa escolha para o maestro titular e director musical [Stefan Asbury foi o primeiro, o actual é Peter Rundel], e foram feitas muito boas escolhas dos músicos que o compõem – o mérito é dos músicos, que todos os meses estudam arduamente um programa novo, às vezes com dificuldades técnicas superlativas. Conseguiram afirmar-se, tendo uma estratégia de escolha de reportório que, por um lado, solidificou aquilo que é o som do próprio grupo, o seu apuro técnico, e sempre abordou o grande reportório internacional a par do reportório português. Isso permitiu, para quem vê de fora, um grupo que toca o mesmo reportório dos grupos congéneres ao melhor nível europeu. Isso contribuiu muito para o perfil e prestígio do grupo.


Disse já que a arquitectura do edifício é um desafio. O que é que vai fazer de novo, respondendo a esse desafio.

O Clubbing é um exemplo. A Casa da Música é tão cenográfica, ela própria. À parte os espaços mais formais de realização de concertos, que são as duas salas, temos utilizado os espaços na sua totalidade, com as características, e limitações, que eles oferecem. Em 2009 vamos ter um concerto da ONP no parque de estacionamento, uma obra magna do século XX, Gruppen, uma obra seminal do Stockhausen, que exige um espaço plano, com uma área considerável onde caibam três orquestras e um coro no meio, e que será dirigido por três maestros. Essa obra não poderia ser executada na Sala Suggia.


Quando é que sonhou que poderia vir a ser director artístico da Casa da Música?

Não é fácil responder de forma directa a essa pergunta. Eu sempre me senti muito confortável na posição que tinha na Casa da Música, por claramente haver uma enorme sintonia com o director artístico da Casa. Foi sempre muito reconfortante e gratificante poder dar um contributo nesse contexto.


Sente-se confortável, agora, a suceder a Pedro Burmester?

Sinto. Tenho noção das minhas responsabilidades, mas sei que vou ter a ajuda de uma equipa, que foi formada ao longo dos anos, e que é super profissional. E também sei, como já disse, que não é o director artístico que programa tudo.


Não tem medo que pensem, no exterior, que vai continuar a ser o Pedro Burmester a programar.

Não. Nem o Pedro quer fazer isso. Não existe esse fantasma.


Que música (e/ou que músicos) é que falta vir à Casa da Música?

Na forma como o projecto se desenvolveu, e nas prioridades que tem, é completamente irrealista pensarmos em trazer um artista que absorveria 10 por cento do orçamento para um ano. Não iremos por aí. Mais ainda estando nós a gerir dinheiro público. Preocupa-nos muito mais a regularidade, a seriedade e o grau de exigência qualitativa do que temos aqui. Obviamente que não vamos negar que seria óptimo termos aqui a Filarmónica de Berlim. Mas não é realista. Isso implicaria sacrifícios noutras áreas que, para nós, são prioritárias, como o Serviço Educativo, as encomendas, etc... Quando essas possibilidades surgem – e já surgiram –, e quando temos que ponderar sobre o que é mais importante, se é ter a Filarmónica de Berlim ou ter que cortar o orçamento da ONP, eu não tenho a mínima hesitação a esse nível – é muito mais importante investir, desenvolver e qualificar a ONP do que ter a Filarmónica de Berlim a tocar no Porto.


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