Baz Luhrmann, a ave rara

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"Austrália" já é um desastre antes de ter começado carreira internacional. Jorge Mourinha explica porquê.

Aiaiaiaiai que Baz Luhrmann se estatelou ao comprido com "Austrália" e que Nicole Kidman agora é veneno de bilheteira e que uma das apostas grandes da Fox para o Natal e para os Óscares acaba de sair pela culatra. Do jornal inglês "Guardian" à revista francesa "Les Inrockuptibles", passando pela todo-poderosa bíblia do show-business que é a "Variety", todos dão "Austrália" como morto antes sequer do filme chegar à Europa, onde começa a estrear por estas semanas.

O épico do realizador australiano, com duas semanas de exibição nos EUA e na Austrália, apenas fez 30 milhões de dólares de bilheteira até agora nos EUA e foi recebido com indiferença pela crítica americana e com algum ridículo pela crítica australiana (onde, apesar de tudo, o filme está a ser um sucesso assinalável e bem maior fora dos centros urbanos).
Portanto, nestes tempos em que o que conta é a exposição mediática do filme e não o seu valor intrínseco, "Austrália" já é um desastre antes sequer de ter começado a sua carreira internacional.

Isto ignora uma questão muito simples: como é habitual em Baz Luhrmann, "Austrália" é um filme feito à medida para confundir as expectativas. Melodrama romântico, épico exótico, filme de guerra, saga histórica, western, drama social, "Austrália" são seis filmes (ou mais) compactados num único pacote gloriosamente excessivo que parece saído directamente da Hollywood dos anos 1930 e 1940.

Este filme não tem nada a ver com os super-heróis e com os filmes de prestígio que Hollywood sabe vender com uma perna atrás das costas. Anne Thompson di-lo na sua coluna na Variety.com: a Fox não soube vender o filme (mesmo contando que esteve de mãos atadas por Luhrmann ter entregue a cópia final muito em cima da hora, mesmo contando que a "rainha" da televisão Oprah Winfrey disse no seu programa que é o melhor filme que viu em muitos anos). Para a colunista, este é um filme que precisaria do proverbial "boca-a-boca" e de tempo em cartaz para convencer os espectadores.

E "Austrália" é tão (ou mais) complicado de vender como os anteriores filmes do realizador australiano o foram. "Moulin Rouge!" custou 50 milhões de dólares, rendeu nas bilheteiras americanas 57 milhões de dólares e fez o dobro desse valor internacionalmente; "Romeu e Julieta" fez 46 milhões de dólares nas bilheteiras americanas (para um orçamento de 15). Suficiente para lhes chamar pequenos sucessos, mas muito longe de chegarem aos 100 milhões que são a fasquia mínima para um "blockbuster" que se preze. Luhrmann nunca teve um "blockbuster" que se visse nos EUA, e os seus filmes sempre fizeram mais bilheteira na Europa.

É, por isso, prematuro estar a "matar" "Austrália": ninguém garante que os espectadores europeus não se deixem seduzir pela fantástica aventura que Luhrmann propõe pela história do cinema popular clássico.
Já os críticos tenho as minhas dúvidas que o defendam : "Austrália" exige ser visto com as defesas desactivadas, com os analíticos desligados, com o cinismo deixado no bengaleiro e com a disponibilidade para reconhecer nele uma enorme carta de amor ao cinema clássico e uma fé infinita no poder do melodrama.

É, sobretudo nestes dias em que tudo parece submetido à lógica do primeiro fim de semana, dos recordes de bilheteira e da espectacularidade artificial, uma ave rara que não quer ser um filme de hoje mas sim de há 80 anos. E, se calhar, o problema é mesmo esse....

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