Juliette Gréco ajuda-nos a sair das sombras

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Diva incontestável da canção francesa, Juliette Gréco volta a Portugal com canções eternas e um disco novo em preparação. Vê as canções como pedaços de vida e os artistas como anjos improváveis que nos ajudam a sair das sombras.

Desde que Portugal a viu em palco, pela última vez (foi a 6 de Janeiro de 2001, na sala do CCB, em Lisboa), a vida de Juliette Gréco não diminuiu de intensidade. Em 2003 lançou um disco de originais a que deu o nome "Amemse ou desapareçam" ("Aimez-vous les uns les autres ou bien disparaissez...") e em 2006 lançou outro onde regravou canções de vários autores e épocas, escolhidas ao sabor da paixão. Mas teve, pelo meio, alguns dissabores. Em Maio de 2001, um problema cardíaco no decorrer de um concerto em Montpellier obrigou-a a parar de cantar por uns tempos. Mas recuperou bem. Em 2004, o Olympia acolheu-a mais uma vez com vigoroso entusiasmo. Tinha, então, 77 anos. Hoje tem 81 (completados a 7 de Fevereiro) e volta a Portugal no contexto da digressão "Le temps d'une chanson". E já está a gravar um novo disco só de inéditos, que poderá ser lançado no início de 2009. De Paris, via telefone, a diva da canção francesa explica numa voz jovial o que a move e encanta.

O seu disco mais recente [de 2006] chama-se "Le Temps d'Une Chanson". Qual é, para si, o tempo de uma canção?

A canção é um pedaço de vida, primeiro que tudo. Uma sobreposição de tempo e de sentimentos. Uma canção é uma pequena peça de teatro em dois minutos.

Existem, para si, canções eternas?

Sim, há uma canção que eu julgo eterna, chamada "Le temps des cerises" [escrita em 1866, antes da guerra franco-alemã de 1870 e da Comuna de Paris de 1871].

Consegue dar-nos outros exemplos?

Bom, preciso reflectir... Há outras, sim, como "Les feuilles mortes". Ou canções de Brel como "Ne me quitte pas" ou "La chanson des vieux amants". São magníficas.

Na primeira canção deste seu disco, "Utile", de Julien Clerc, há esta frase: "Je veux être utile, à vivre et à chanter". É como se fosse uma declaração sua?

Completamente.

Como é que se sente útil?

Quando as pessoas vêm aos espectáculos, é como se abrissem janelas nas paredes. E isso permite-lhes viajar nas suas mentes, distrair-se, partilhar sentimentos. É isso.

A mesma canção diz ainda: "être utile à rever". Qual é o papel dos sonhos na sua vida, no seu trabalho?

Enorme, enorme. Sonhamos sempre que as pessoas vão amar esta ou outra canção, que o público vai ser feliz connosco, que o trabalho que apresentamos vai ser muito bom. E sonhamos, sempre, que não vamos morrer logo em seguida.

Escolheu para este seu trabalho uma série de compositores que já fazem parte da história da "chanson": Brel, Trenet, Ferré, Mouloudji, Gainsbourg, etc. Fê-lo por eles ou pelas canções que decidiu cantar?

Pelas canções. Porque até já rejeitei algumas vindas de pessoas que amo e respeito enormemente. Mas se não sentir desejo, se não me sentir envolvida pelas canções, não resulta. É como na vida. Podemos abraçar uma pessoa ou não, a escolha é nossa.

Noutra das canções que escolheu cantar agora, Ferré escreveu "Avec le temps, tout s'en va". Sente-se bem com o tempo?

Gosta dele, apesar da sua volatilidade? Sim. Estou muito reconhecida à vida, embora por vezes ela tenha sido para mim muito cruel, muito dolorosa, muito difícil. Mas deu-me momentos de felicidade absolutamente magníficos. Amo a vida e amo quem amo.

Incluiu, neste lote de canções, duas estrangeiras: "Volare", em italiano; e o tema do filme "O Feiticeiro de Oz", "Over the rainbow", em inglês. Que ligação tem com elas?

"O Feiticeiro de Oz" foi um filme estreado durante a ocupação alemã, em França. Eu tinha saído da prisão, em 1943, e habitava numa pensão familiar perto da Igreja de Saint-Sulpice, em Paris. Nessa altura, era proibido ouvir ou cantar canções americanas ou inglesas. Mas como eu já tinha um carácter rebelde, cantei duas ou três vezes essa canção, "Over the rainbow", pelas ruas. Dava-me uma sensação de liberdade. É essa a razão por que escolhi voltar a cantá-la agora.

E o filme, "O Feiticeiro de Oz"? Gostou dele?

É um filme para crianças, claro. Mas é magnífico.

E "Volare", de Domenico Modugno? Escolheu-a porquê?

É uma canção alegre, feliz. Um momento de felicidade. Diz coisas muito, muito simples mas muito bonitas. É bela como o filme ["Nel blu dipinto di blu", 1959] e como os olhos azuis do desejo. Sem nenhuma pretensão, é uma lição de prazer e simplicidade.

Tem um público fiel, que a adora. Mas a juventude, sobretudo em França? Acha que existe um público novo para a sua música?

Há 95 por cento de jovens nas salas onde eu canto. É muito. E é formidável.

E no final dos espectáculos, eles vão falar consigo? Dizem-lhe o quê?

Sim, vêm ver-me. Querem saber como era em Saint-German-des-Prés quando eu era jovem como eles. Essa é uma das coisas que fascina bastante a juventude de hoje.

E no campo da música? Em 2001, quando cantou em Lisboa numa sala que agora volta a recebê-la, o CCB, elogiou alguns compositores de gerações mais recentes como Francis Cabrel ou Alain Souchon. E agora? Já descobriu outros nomes?

O disco que estou a gravar neste momento, e que deverá sair no início do próximo ano, é todo feito com compositores jovens. Como Olivia Ruiz [intérprete feminina do ano no Victoires de la Musique 2008] ou Abd Al Malik [uma estrela do rap francês, de origem congolesa, também distinguido no mesmo festival]. São ambos brilhantes.

Vai cantar em Portugal, de novo. O que tenciona dizer ao público português?

Que o amo. É um público formidável, com pessoas magníficas.

Há sete anos, teve em palco cinco músicos. Neste espectáculo, porém, terá apenas dois: piano e acordeão. Porquê? É uma opção de sonoridade?

É uma opção de pureza, de despojamento e de musicalidade. E com dois músicos magníficos [o pianista Gérard Jouannest, seu marido, e Jean-Louis Matinier]. Que são mais do que suficientes. O próximo disco, estou a gravá-lo também apenas com eles.

O ano da sua última passagem por Portugal, 2001, foi o mesmo dos atentados em Nova Iorque contra as Torres Gémeas. Veio depois a guerra no Iraque. E agora a crise financeira. Na sua opinião, qual o papel de um artista em tempos difíceis como estes?

É ajudar as pessoas a sair das sombras e a ter um momento de felicidade. Distraí-las, fazê-las mudar, fazê-las sair dessa vida difícil.

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