Kanye West na intimidade

Ao quarto álbum, Kanye West muda e muito. O som é minimal, as letras introspectivas e a voz adulterada electronicamente.

Em vez da matriz hip-hop, com detalhes de clássicos da música soul e orquestrações barrocas, um som pop electrónico minimalista. Em vez de reflexões sobre a fama e o sucesso, uma viagem introspectiva aos precipícios da desilusão. Em vez de debitar palavras, tenta cantar, com a voz electronicamente alterada. Já o dissemos muitas vezes, Kanye West é uma personalidade complexa, megalómano ou vulnerável, predador da memória da cultura popular ou fundador da mesma. Mas nunca tinha ido tão longe como no seu quarto álbum, "808s & Heartbreak", um daqueles discos que tem tudo para provocar divisões irremediáveis.

Ao longo de três óptimos álbuns - "The College Dropout" (2004), "Late Registration" (2005) e "Graduation" (2007) - foi capaz de erguer, a partir de princípios hip-hop, uma sonoridade distintiva de revestimento luxuriante, mas nunca olhou para si próprio como sendo um mero "rapper" ou produtor. Quem olha para ele dessa forma sairá inevitavelmente desiludido do quarto pop que escolheu construir para si. Um lugar desconfortável onde rumina com ele próprio. Um espaço de catarse, pela morte da mãe e término de uma relação de longa data.

Um lugar de mudança que é expresso pela voz digitalizada, pela sonoridade percussiva, longe do que alguma vez já criou, e pelo sentido de melancolia que percorre a maior parte das canções. Em vez de reflexões sobre materialismo, lamentos redentores como em "Welcome to heartbreak" ("My friend showed me pictures of his kids / And all i could show him was pictures of my cribs / He said his daughter got a brand new report card / and all i got was a brand new sports car"). Em vez de canções luminosas, baladas de estrutura elementar, sem a ganga acessória que associamos à ideia, movidas por vagarosas pulsações rítmicas, sintetizadores na cobertura e ocasionais orquestrações.

Ao longo de três álbuns, um tipo elegante e mundano vindo do hip-hop foi capaz de encenar a sua visão pessoal da história da pop. Fê-lo de forma exuberante e colorida, como um bom musical de Hollywood. Agora optou por mudar. Despe-se de artifícios, olha-se ao espelho e revela-se, como o título do álbum já deixa transparecer, tendo por companhia apenas uma caixa de ritmos (TR-808) e algumas desilusões afectivas, criando um disco pop no sentido mais libertador da expressão.

Sugerir correcção
Comentar