Companhias aéreas "low cost" obrigadas a voar baixinho

A tormenta da aviação está a atingir também
as companhias "low cost", o que se reflecte numa diminuição do número de voos para Portugal

a A Easyjet foi a última a ser apanhada pela crise do transporte aéreo mundial. Stelios Haji-Ioannou, fundador da companhia modelo das "low cost", mostrou-se na última semana "inquieto com a aplicação de certos princípios contabilísticos" pela empresa, recusando-se a dar luz verde às contas anuais do exercício de 2007/2008 (terminado em Setembro) e exigindo a aplicação de uma política de distribuição de dividendos a partir de 2011.Os analistas especulam sobre as declarações do empresário de origem grega: Stelios terá vontade de proteger o seu investimento, mas esta pode ser uma tentativa de baixar o preço das acções, de forma a adquirir mais capital da empresa que fundou e na qual detém 26,9 por cento. Quanto aos números divulgados, apesar de positivos, mostram os reflexos da recente alta de preços dos combustíveis nos resultados financeiros da Easyjet: um resultado líquido de 100 milhões de euros, quase metade do exercício anterior, embora o volume de negócios tenha crescido 31,5 por cento, para 2,36 mil milhões de libras (2,8 milhões de euros). Uma das consequências vai ser o adiamento na compra dos muitos aviões já encomendados, admite a empresa.
Enquanto a Easyjet "lambe as feridas" e acautela o futuro, a Sterling e a LTE são as mais recentes vítimas da má situação mundial do transporte aéreo, mistura explosiva entre a subida dos preços do combustível e a crise financeira que travou a estratégia de recuperação de algumas companhias.
Os primeiros estertores da LTE, uma "low cost" espanhola, fizeram-se anunciar a 18 de Outubro, quando a transportadora que tinha como base o aeroporto de Palma de Maiorca avisou o governo Zapatero de que iria suspender os voos por tempo indeterminado, por falta de capacidade financeira para aguentar a operação. Uma das rotas prejudicadas foi a abertura prevista da ligação Faro-Norwich, prevista para este mês.
No caso da Sterling, a falência da "low cost" islandesa e segunda maior companhia aérea da Dinamarca, no final de Outubro, acabou com a promessa de uma ligação bissemanal entre Lisboa e Copenhaga a partir de Fevereiro. Faro e Funchal ficaram também a perder, com o cancelamento dos voos de baixo custo que a Sterling fazia para Copenhaga, Oslo e Estocolmo.
Multiplicação exagerada
A necessidade de sobreviver obrigou também à união de forças entre as duas únicas "low cost" espanholas que restam: Clickair e Vueling aguardam "luz verde" da Comissão Europeia para a fusão em 2009, negócio apadrinhado pela fundadora da primeira e maior companhia aérea espanhola, a Iberia, que tenciona tornar-se proprietária de ambas.
A verdade é que os 15 minutos de fama do modelo de negócio "low cost" no transporte aéreo, que tantas páginas encheu, há muito que fazem parte do passado.
O director-geral do Turismo de Lisboa, Vítor Costa, defende todavia que a crise atinge "o transporte aéreo em geral", não apenas as "low cost", e exemplifica com a grave situação da italiana Alitalia. "Houve uma multiplicação exagerada [destas companhias] e com esta crise vai acelerar-se a selecção. O modelo tradicional é que não era sustentável", afirma. O que sucedeu desde a chegada das "low cost" à Europa, no fim dos anos 90, foi uma aproximação de estratégias entre estas e as concorrentes tradicionais, como a flexibilização cada vez maior nas tarifas.
Vítor Costa reconhece também que hoje há "uma situação negativa em Lisboa, mais a nível de frequências (número de voos) do que de rotas". As duas companhias que "efectivamente cancelaram" a operação foram a Krasair, para Moscovo, e a Central Wings, para Varsóvia, vagas que a TAP poderá preencher em breve. Por outro lado, a interrupção de algumas linhas, como a de Manchester, deverá ter apenas um carácter sazonal.
O aeroporto da Portela é aquele onde os problemas estão a fazer-se sentir com mais força. Em termos acumulados, o número de passageiros cresceu este ano até ao final de Outubro (2,3 por cento face aos primeiros dez meses de 2007), para mais de 11,761 milhões de passageiros. Mas o mesmo não se pode dizer quando a comparação considera apenas Outubro: este ano foram transportadas 1,145 milhões de pessoas, uma quebra de 3,9 por cento face ao mesmo mês de 2007.
Easyjet ajuda
As companhias "low cost" estão entre as que registam as principais descidas: Vueling Airlines (menos 35,2 por cento), Clickair (menos 51,2 por cento) ou Brussels Airlines (menos 16,6 por cento) são das mais penalizadas. Mas, contas feitas, o saldo é apenas ligeiramente negativo para este segmento - menos 1,8 por cento de passageiros quando comparamos Outubro com igual mês em 2007 - graças ao aumento de 63,8 por cento nas pessoas transportadas pela segunda maior companhia em Lisboa, a Easyjet. As dificuldades estendem-se às tradicionais: Lufthansa, Iberia, Sata e British Airways, todas perderam nos passageiros.
Já no Porto e em Faro, os números continuam positivos, mas impera a preocupação. O presidente da Adeturn-Turismo Norte de Portugal, Jorge Osório, prefere salientar que a única rota cancelada pelo encarecimento do combustível foi a de Porto-Estocolmo (Ryanair), devido à grande duração das viagens. Quanto a Valência, também anulada pela empresa irlandesa, diz que "há mercados em que no Inverno não há apetência para o Norte e que vão ser retomados no Verão". Para compensar, Jorge Osório confia nas quatro novas rotas para 2009 prometidas pela Ryanair e EasyJet, com destinos ainda por conhecer.
Quanto à região algarvia, que perdeu passageiros em Outubro mas conseguiu crescer nas "low cost" - especialmente devido à Easyjet e à Aer Lingus - "têm diminuído algumas rotas mas por força da temporada", defende o presidente da Associação de Turismo do Algarve, António Pina. "A situação não é famosa, mas a palavra de ordem é aguentar."
No final, quem pode sofrer são os passageiros com a diminuição de concorrência para vários destinos, mas isso é algo que não assusta Vítor Costa, do Turismo de Lisboa: "Para conseguir manter o mercado, as companhias têm de fazer preços competitivos, já ninguém vai querer voar por preços caros", salienta. E opta por rematar, em tom optimista: "Mais tarde ou mais cedo, os aviões estacionados vão ter de voltar a voar: ficam mais caros quando estão parados em terra."
Vítor Costa, director
do Turismo de Lisboa

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