Torne-se perito

Ooh La La O editor de escândalos está de regresso

Auto-intitulou-se "rei da pornografia", ficou ligado ao maior escândalo sexual dos últimos
20 anos em Portugal, envolvendo Tomás Taveira, e depois refugiou-se em Espanha,
onde se tornou director-geral do poderoso grupo alemão Axel Springer. André Neves
está de volta para lançar uma revista "cor-de-rosa". Quer "língua afiada" e "corte e costura"

a É provavelmente o homem que mais títulos de imprensa dirigiu - e fechou - em Portugal, mas poucos o conhecem só pelo nome. André Neves, de 58 anos, foi quase sempre um empresário do bas-fond, de jornais e revistas marginais, uma espécie de Larry Flynt nacional - tendo a sua notoriedade pública sido fugaz e ocorrido há muitos anos, quando publicou fotos do arquitecto Tomás Taveira a ter relações sexuais com várias mulheres. Estava-se então em 1989 e o n.º 2 da revista Semana Ilustrada, dirigida pelo jornalista/empresário da comunicação, revelava imagens de um vídeo privado do arquitecto das torres das Amoreiras, em Lisboa - dando dimensão nacional ao maior escândalo sexual dos últimos 20 anos. André Neves seria processado pela devassa da privacidade, defender-se-ia nos media, mas depois desapareceria da ribalta, fixando-se em Espanha.
O seu regresso foi previsto precisamente para hoje, data marcada para o lançamento de uma nova revista do social, chamada Ooh La La. A preparação do primeiro número ocorreu em segredo, sabendo-se no entanto que o seu maior trunfo será a publicação de "escândalos" com famosos portugueses.
Ao P2, André Neves - que recusou participar numa entrevista e ser fotografado - negou inicialmente ter algo a ver com o título, afirmando-se fora do negócio e perturbado com o contacto. Posteriormente, contudo, precisou ser "consultor", relegando para o director oficial da Ooh La La, Luís Martins (ex-TV Guia), mais informações sobre a publicação.
Na Entidade Reguladora para a Comunicação Social consta o seu nome como responsável do título e a patente da revista foi devidamente registada com a sua identidade. Tem também sido André Neves o cérebro da linha editorial e o responsável pela formação da equipa redactorial. Vários jornalistas experientes no mundo dos mexericos e do jet-set (que passaram por exemplo por 24 Horas, Correio da Manhã, TV Guia ou VIP) foram contratados.
A actividade editorial de André Neves, nascido em Lagoa, no Algarve, começou em pequenas publicações ligadas sobretudo à moda - intensificando-se nos anos 80. A sua mulher, à altura, apresentava-se como proprietária da maioria dessas revistas. Jornal da Moda, Vinte Anos, Sorte, Nova Star são apenas alguns exemplos de uma intensa actividade editorial, que teria no entanto muito pouca repercussão pública.
Seria já no final da década de 80 que surgiriam os títulos mais marcantes e mais bem sucedidos. André Neves passa então a apostar na pornografia e no erotismo. Em 1988 surge Sexy Club e Sexus - o jornal do prazer, e um ano depois a receita propicia uma incrível produção de novas publicações: Tabu: para amantes, Diário ABC e Jornal do Amor versam todos sobre sexo.
O caso Taveira
Na base nacional de dados bibliográficos, da Biblioteca Nacional, constam contudo outros registos, ainda em 1989, noutras áreas. Entre eles Sorte, Euromode, Grande Encontro (moda), bem como O Caso, Agenda da Semana, Euro Notícias, Euro Semana, Sorte, Mariana e Semana Ilustrada (classificadas como sendo de informação geral). Todos eles tinham como director André Neves.
É neste período de grande produtividade que chegaria às mãos do editor o furo da sua vida. No final do Verão de 1989, André Neves consegue ter acesso a um vídeo doméstico do arquitecto Tomás Taveira, em que este mantinha relações sexuais com várias mulheres. A dúvida foi escolher a publicação para divulgar a história. A Semana Ilustrada acaba por ser a eleita.
As célebres cassetes correram por outros órgãos de comunicação, mas nenhum outro teve a ousadia de publicar como André Neves publicou. No momento em que foi ordenada uma providência cautelar para travar o escândalo era tarde de mais: a revista já estava nas bancas. As imagens íntimas de Tomás Taveira surgiram na capa e nas páginas interiores da revista, acompanhadas de pequenos textos. No editorial, por sua vez, enaltecia-se a coragem daquele trabalho, como se se tratasse de uma cruzada pelos bons costumes. André Neves vangloriava-se de não ter cedido a "pressões"; de ter mantido o "compromisso" da revista "com os leitores e com a verdade"; de ter permitido à opinião pública a condenação do arquitecto pelos seus "sujos actos".
A publicação daria lugar a um processo-crime e a uma indemnização cível, de Tomás Taveira contra André Neves, por abuso de liberdade de imprensa. O arquitecto conseguiria ainda que um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa impedisse, no futuro, que várias empresas de comunicação publicassem o que quer que fosse sobre o episódio.
Num processo à parte, também Raul Ribeiro, director do jornal O Caso, haveria de ser acusado. Este jornal, semanal, era muito semelhante a O Crime - e também havia sido lançado em 1989 por André Neves. Serviu sobretudo para prosseguir a ofensiva contra o arquitecto, desta feita imputando-lhe burlas e outro tipo de fraudes que o tribunal classificaria como mentiras difamatórias.
O carácter sensacionalista de O Caso era inigualável. Numa das edições em que se avançavam "novas denúncias" contra Tomás Taveira mostrava-se, por exemplo, uma fotografia de um homem num urinol acompanhada da manchete: S.I.D.A. invade urinóis de Lisboa e Porto. Raul Ribeiro admitir-se-ia arrependido, mas seria condenado a uma pena suspensa de um ano de prisão.
Na sequência do caso Taveira, André Neves criaria ainda outros jornais e revistas, desta feita em parceria com João Paulo Fialho Neves, seu filho. São exemplos disso as Revista Amor (classificada como sendo literatura) e Diário TV, ambas de 1990. Pouco tempo depois, no entanto, deixaria esse legado ao filho, que acabaria por se tornar também ele num profícuo editor de conteúdos de cariz sexual.
Do sexo à Axel Springer Espanha, onde André Neves já teria contactos, passa a ser a sua nova aposta. Embora com o nome manchado em Portugal, em Madrid alcança um posto e um estatuto muito acima do que sucedera até então. O empresário não quis revelar pormenores sobre essa fase, mas é certo que chegaria, em 1993, a director-geral - e accionista - da Axel Springer Espanha, uma filial do poderoso grupo alemão de comunicação social (com mais de uma centena de títulos em cerca de 30 países).
Isso mesmo foi confirmado ao P2 pela actual direcção do grupo, que todavia recusou prestar depoimentos sobre o legado de André Neves.
No início dos anos 90, a implantação da empresa em Espanha passava sobretudo pelas revistas de informática, de computadores e de videojogos. André Neves, não descurando essa vertente, acrescentou-lhe outras possibilidades de negócio, para as quais estava mais vocacionado. Em 1994 surge, pela sua mão, a revista Mi Casa, de decoração de interiores, que rapidamente viria a ser líder do mercado espanhol no seu segmento (com 250 mil exemplares vendidos).
Apesar do sucesso editorial neste sector, o empresário só ficaria no posto até Maio de 1996. A sua demissão acontece pouco depois de uma tentativa gorada de entrada no mercado das revistas de automóveis, área onde a Axel Springer já tinha experiência noutros países.
Quando sai, todavia, André Neves leva consigo um trunfo, que está pronto a usar: o formato da Mi Casa. A história é desmentida pelo próprio. "Nunca houve qualquer conflito com a Axel Springer", disse ao P2. Mas, de acordo com uma notícia do diário espanhol El Mundo, de 1998, o editor estaria na origem de um processo do seu antigo patrão contra a editora RBA, por plágio.
Com o título La Guerra em Casa, o texto do jornal espanhol começava assim: "O mesmo triângulo vermelho na capa, em cima, à esquerda. Em cima do triângulo, idêntico tipo de letras amarelas para escrever que uma revista se chama Mi Casa e a outra Casa al Día."
O advogado da Axel Springer, citado na notícia, Federico Frühbeck, recusou falar sobre o caso ao P2, mas no artigo aparecia uma citação sua assegurando que o desenho das capas produzia "um acto de confusão" no leitor e era ilegal. O El Mundo avançava que Neves teria participado no lançamento de Casa al Día, como assessor da RBA.
A intervenção de André Neves no sector das revistas de decoração não se ficaria contudo por aí. Em 1997, criaria ainda, por sua conta, Cosas de Casa, título que venderia à RBA poucos meses depois e que se tornaria igualmente líder de mercado.
A revista Mi Casa foi entretanto comprada pelo grupo Hachette, sendo a terceira revista de decoração mais lida em Espanha. A Cosas de Casa ocupa o segundo posto (só batida pela El Mueble) e a Casa al Día surge na quinta posição. A RBA, que se mantém proprietária destes dois títulos, é a editora que mais vende nesta área, muito à frente da Axel Springer.
De forma muito discreta, André Neves voltaria a fixar residência em Portugal, onde os seus filhos vivem. E não ficou de braços cruzados. Em Agosto de 2007 começou a planear a edição de novas publicações periódicas, tendo nessa altura fundado a Ammik Media, onde aparece como sócio-accionista, com 90 por cento do capital (correspondentes a 4500 euros).
A ideia de competir com as principais revistas cor-de-rosa terá sido planeada logo nesta altura. A 5 de Novembro de 2007 é publicado no Boletim da Propriedade Industrial o registo da marca Ooh La La, em seu nome. E, passados alguns meses, a Ammik Media começava a recrutar na Internet.
Só no site da Net Empregos surgiam, em Julho deste ano, dezenas de ofertas de trabalho para uma "editora em expansão", a "engenheiros informáticos", "assistentes de marketing", "técnicos de contabilidade", "comissionistas", "jornalistas" e "delegados comerciais". No mês seguinte, a oferta diversificava-se: "guionistas", "actores", "cantores", "bailarinos" - todos recrutados para um projecto que se afirmava "inovador" e de "sucesso".
Até que, já no mês passado, a intenção de Neves lançar uma revista de escândalos torna-se evidente. Num dos tópicos de ofertas de emprego aparece: "Campeões da Má Língua - Jornalistas". Em baixo, o anúncio: "Editora procura jornalistas para nova revista de sociedade a ser lançada este ano. Procuramos profissionais com: muita criatividade, língua afiada, interesse pela vida social das vedetas nacionais e internacionais, com muita habilidade para corte e costura".
Fotógrafos de escândalos
Para a área da imagem requeria-se um perfil semelhante. Ao título Fotógrafos de escândalos correspondia a seguinte descrição: "Necessitamos de fotógrafos aprendizes para trabalhos em eventos e para acompanhar o dia-a-dia dos nossos famosos". Já esta semana, continuava a investida, agora para recrutar jornalistas experientes em revistas de sociedade: "Estamos a recrutar jornalistas com apetência na área da Sociedade, de preferência com experiência em revistas cor-de-rosa Shock!!!"
Uma fonte ligada ao jet-set confirma que a primeira edição da Ooh La La foi pensada para estar hoje nas bancas, havendo já uma equipa redactorial a trabalhar há algumas semanas no primeiro número. Mas na conversa telefónica com o próprio André Neves, este pediu um mês para voltar a falar com o P2, justificando esse adiamento com o tempo necessário para lançar a revista. Como assinalou outra pessoa, que conheceu em tempos o empresário, quando se trabalha com este editor é tudo "muito louco e imprevisível".

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