Os bebés podem aprender a não se afogar?

É uma técnica norte-americana que afirma poder salvar crianças que caem à água e é ensinada a partir dos seis meses. Será mesmo assim? Os professores portugueses dizem que não é eficaz

a A porta da varanda para o pátio está aberta e o bebé sai, atrás de um cão. De bola colorida na mão e ainda com alguma dificuldade em manter-se de pé, dirige-se à beira da piscina, deixa cair a bola e lança-se atrás dela. A música que acompanha o pequeno filme é angustiante, mas o final é feliz. A criança cai na piscina, mas não se afoga porque sabe aplicar uma técnica de flutuação que lhe permite boiar até chegar ajuda. O enredo é o de um filme onde, aparentemente, não há montagem. A criança é muito pequena e está mesmo a flutuar e a chorar, à espera que chegue alguém para a tirar de dentro de água. O filme anda pelas caixas de correio electrónico, pode ser visto em www.childdrowningprevention.com e é a promoção de uma técnica chamada "infant swimming resource".
O método é ensinado a partir dos seis meses e até aos seis anos. O número seis volta a repetir-se, desta vez para as semanas que dura esta formação de dez minutos diários. De segunda a sexta-feira, as crianças são literalmente atiradas para dentro de água e choram desalmadamente. Há vídeos no site da organização, mas também no YouTube onde se ouvem as crianças apavoradas, a chorar, a engolir água, a chorar e a esbracejar. Vão para dentro de água de fato-de-banho, mas também completamente vestidas e calçadas porque, numa situação real de afogamento, o mais certo é estarem vestidas.
Mas na vida real as coisas nem sempre acontecem como prevemos, diz cautelosa Sandra Nascimento, presidente da Associação Portuguesa de Segurança Infantil (APSI), porque numa situação real de afogamento são inúmeros os factores que podem condenar o método ao insucesso como a temperatura da água ou a atrapalhação da criança. "Uma coisa é estar na piscina aquecida, com um adulto, outra é cair e sentir o choque térmico e ficar atrapalhada", explica.
A criança norte-americana chora, mas, dentro da piscina, está um formador que a ensina, quando está de bruços, a virar-se, ficar de costas numa posição em que flutua e a manter-se à tona de água. Se for mais crescida, a criança aprende a dirigir-se até à beira da piscina, onde estão os pais, que assistem às aulas e não movem um músculo enquanto a criança chora, completamente vestida, encharcada e engole água. Na Internet ouvem-se os testemunhos dos pais que, ao contrário das crianças, riem, satisfeitos com os resultados dos mais novos e com a certeza que aquele é um bom método de prevenção de afogamento.
"Os pais olham só para o produto final e ignoram que a criança está a chorar o tempo todo. Por outro lado, quem se fixa apenas na técnica questiona se vale a pena o resultado final", diz Eduarda Veloso, professora de natação para bebés há 11 anos e que fez um mestrado em desenvolvimento da criança. Também para Luís Camacho, professor e coordenador técnico do Clube VII, em Lisboa, o método, "em termos emocionais, faz a criança sofrer". "É violento", concorda Eduarda Veloso.
Passadas seis semanas, a criança assim que é atirada à água sabe, sozinha, como proceder. E lá está ela, primeiro de bruços, a boiar com o rosto dentro de água, depois vira-se, flutua e chora, de maneira a ser ouvida pelos pais, para ser salva. Anualmente e a partir dos 12 meses de idade é recomendado que sejam feitas aulas de manutenção, para que os meninos não esqueçam o que aprenderam.
Os afogamentos de crianças menores de quatro anos são um grave problema nos EUA. Em 2004 havia uma média de nove afogamentos diários. Acontecem porque são muitas as famílias que têm casas com piscinas, mas também sucedem em espaços públicos e vigiados.
Brincar, em vez de chorar
Para os pais que têm piscinas, mas que, por questões estéticas ou económicas, lhes custa colocar protecções, esta parece ser a melhor solução. Em vez das barras, telas ou portas fechadas, a opção pode ser pôr as crianças a aprender este método oriundo dos EUA. Há alguns anos que, volta e meia, Eduarda Veloso recebe um e-mail com o filme do bebé que flutua: é nessas alturas que um ou outro pai, com bebés na piscina, lhe pergunta sobre o método. Na verdade, a professora tem algum receio de que esta técnica possa ser aplicada em Portugal.
Com base nos dados fornecidos pela página na Internet do Infant Swimming Resource, Eduarda Veloso fez alguns cálculos. Se anualmente 3600 bebés norte-americanos aprendem aquele método, e se a taxa de acidentes é de 1,72 por cento, então pelo menos 61 crianças sofreram um acidente na piscina. Se, pelas suas aulas passam cem bebés por ano, e, em dez anos de trabalho, só tem relatos de duas crianças que caíram à piscina, conclui que o seu método prevalece, pois é menos violento e com melhores resultados. Portanto, o método norte-americano não previne os afogamentos.
"Se tiver uma metodologia que não é imposta, mas que favorece a autodescoberta, o bebé vai desenvolver uma melhor capacidade adaptativa ao meio aquático", aponta Carlos Neto, professor na Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade Técnica de Lisboa.
Para os professores portugueses, o ideal é que as crianças aprendam a nadar rodeadas de conforto, diz Luís Camacho. E todos os profissionais privilegiam a parte lúdica do estar dentro de água. Nas aulas de natação para bebés não há crianças atiradas à água, mas há pais com os filhos dentro da piscina, de preferência até aos três anos. Há contacto físico e brincadeiras, bolas, bonecos, jogos e risos para que a criança se adapte ao meio aquático.
"É preciso respeitar a criança. O método americano coloca-me muitas dúvidas mesmo em termos éticos. A aprendizagem não deve ser imposta, mas a criança deve ter gosto em aprender", continua Carlos Neto.
E na piscina os bebés aprendem a equilibrar-se dentro de água, a controlar a respiração e a orientação subaquática. São três princípios para aprender a nadar. Carlos Pereira, treinador do Sporting Club de Portugal e coordenador desportivo do Colégio Montemaior, em Loures, lamenta que num país como Portugal, "com uma vasta costa marítima, não exista uma política educativa no sentido de pôr todas as crianças a nadar" - porque os afogamentos não acontecem só nas piscinas, mas nas praias.
Para os pais, um método como o norte-americano só pode servir para reduzir a supervisão dos adultos, continua Eduarda Veloso. A presidente da APSI concorda e apela para que os pais estejam por perto sempre que há situações que envolvam água. Também o site norte-americano que garante o sucesso do método aconselha os pais a tomar outras medidas de precaução, como as barreiras à volta da piscina, a supervisão das crianças quando estão dentro de água e, claro, aulas de natação. Sandra Nascimento conclui: "O método está longe de ser uma medida eficaz de prevenção, é apenas complementar a outras, como a vigilância dos pais ou barreiras verticais."

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