Torne-se perito

As mulheres de vermelho são mais atraentes? Sim. E não.

Quando falamos de sedução interessa a cor do vestido? Interessa o vestido? A mulher? Os seu olhos? A boca? Um estudo recente diz que se o vestido for vermelho ajuda

a Quando encara o bandarilheiro e escarva a arena antes de investir, o touro não cuida de saber quem é o homem por trás do capote - ataca apenas, enlouquecido pelo vermelho do pano, preparado para escornear, furar, ferir com a contundência toda do corpanzil, músculos e quilos concentrados no alvo. E o homem? Pondera realmente quando ela passa, o corpo inteirinho cheio de graça e envolto num vestido encarnado? Raciocina deveras? Ou o simples voltar da cabeça, o sorriso, algum comentário, um piropo, serão a sua maneira de ser também animal, de ser instintivo e reagir à cor, ao rubro da carne e à sugestão do pecado?De acordo com um estudo da Universidade de Rochester, no Reino Unido, a atracção masculina aumenta quando uma mulher se apresenta vestida de vermelho. O homem tende, nessas situações, a ser mais atencioso e generoso, e aumenta a sua predisposição para gastar dinheiro. A opinião dos cinco homens portugueses que o PÚBLICO auscultou divide-se, porém. Nenhum associa o encarnado da roupa à ovulação e ao período fértil da mulher, como sugerem os especialistas, mas há quem, como Manuel Cruz, o músico (ex-Ornatos Violeta), associe o vermelho à carne e ao sexo. "Talvez, ao nível do subconsciente, isso aumente as expectativas", reconhece.
"A mulher de vermelho talvez seja mito cinéfilo (e coisa maltratada com o hino lânguido-lamechas do Chris de Burgh), mas há momentos que nos obrigam a parar, respirar e aceitar: há qualquer coisa com a mulher vestida de vermelho. Jessica Rabbit ou Cameron Diaz em A Máscara, ou, muito importante pesquisar no Google, Scarlett Johansson na cerimónia dos Globos de Ouro de Janeiro de 2006 [ver imagem em http://edeuscriouamulher.blogs.sapo.pt/325110.html]", anota Miguel Marujo, responsável pelo blogue E deus criou a mulher, incontornável referência para os amantes da anatomia feminina na rede nacional.
Rui Silva, publicitário com carreira em algumas das principais agências nacionais, insiste no imaginário cinematográfico, mais concretamente aquele protagonizado, em 1984, por Kelly LeBrock no filme A Mulher de Vermelho, que incendiou a libido de milhões de adolescentes (e não só) em todo o mundo, tão patuscamente embevecidos como Gene Wilder enquanto assistiam à voluptuosa dança da musa, o vento erguendo-lhe a saia e exibindo a roupa interior, também vermelha, o pecado completo numa mão cheia de frames. "Há uma associação imediata do vermelho à sensualidade. Há na publicidade quem acredite nas cores, mas eu, pessoalmente, só utilizaria este tipo de convenção se quisesse explorar o cliché enquanto tal", explica Rui Silva.
Um poder relativo
"Nem sequer sucede, mesmo que inconscientemente, disparar mais vezes quando, num desfile, aparece um vestido vermelho", garante o fotógrafo de moda Cassiano Ferraz, que reconhece que "o vermelho é mais chamativo", mas insuficiente para alterar o comportamento. "É mais importante o que está por trás do vestido. Os olhos, o decote... O resto é coisa de ingleses", comenta.
"O vermelho, em todas as coisas, impõe um dramatismo que sempre apela aos sentidos. Somos, penso que pela natureza das coisas, sempre susceptíveis perante a cor. Se for preponderante em alguma coisa, não a podemos ignorar", discorda valter hugo mãe, o escritor que venceu no ano passado o Prémio José Saramago. "Nenhuma mulher é ingénua o suficiente para desaperceber o poder de um vestido vermelho. Não sei se alteraria o meu comportamento por causa da cor do vestido, mas acho que o adequaria a um sinal que me parece de clara sedução", reconhece.
O poder do vermelho parece, ainda assim, ser relativo. Até para valter hugo mãe: "Nada me provoca mais do que a conversa descomplicada de quem sabe o que quer e em que momento se deve investir. Gosto de gente decidida. Sem rodeios, apenas a energia da sedução e a coragem para avançar", explica o escritor. O homem, afinal, não é um touro, não é um animal que reage cegamente ao estímulo. "Depende do contexto, da ocasião. Há tantas coisas! E funcionam em momentos diferentes, com mulheres diferentes", comenta o publicitário Rui Silva, para o qual uma mulher de vermelho até pode ser capaz de captar a sua atenção "caso esteja num sítio onde todas estão vestidas de preto, não por ser a que de destaca, mas aquela que teve coragem para estar ali de vermelho entre gente vestida de preto".
O que conta é a mulher
"As autoridades da província iraniana de Kerman proibiram às mulheres o uso do branco, do vermelho e do amarelo, por se tratar de cores excitantes; fossem outros os tons, eventualmente mais pardacentos, creio que o conselho local do Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica faria igual juízo, se vestissem formas excitantes", relativiza Miguel Marujo, alterando, qual Copérnico, o centro da questão e colocando aí o magno, curvilíneo e delicado corpo. "A cor do vestido não me diz nada. Interessa que a mulher seja bonita e boa, que seja simpática. Se tiver isto, não precisa de truques exteriores", acrescenta, mais literal, Manuel Cruz, o cantor e compositor que escreveu A Dama do Sinal e, mais recentemente, baptizou um disco com a frase O amor dá-me tesão.
Miguel Marujo é mais romântico: "Não altero o meu comportamento em função da cor do vestido de uma mulher. Basta-me se é bonita. Numa festa ou num encontro, a vertigem pode ser o próprio vestido, como esclarece e bem Scarlett Johansson [na tal, e pelos vistos inesquecível, cerimónia de 2006]. Mas a memória repete uma frase batida: o que me faz virar a cabeça não é igual em situação alguma. Podem ser os olhos ou as formas. No dia em que vi os olhos mais bonitos, descobri-os, uns anos depois, como os da minha mulher - e são azuis".
"O que funciona com os homens", sintetiza, enfim, Rui Silva, "é aquilo que permite imaginar o que está por trás do que se vê". É, como a sedução do vermelho, um lugar-comum. E é capaz de ser verdade.

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