Extreme: os (im)previsíveis

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Os Extreme vieram mostrar o novo "Saudades de Rock", mas recuperaram vários temas antigos DR

Os Extreme tinham saudades da estrada. Os fãs, que pacientemente aguentaram uma ausência de treze anos, tinham saudades dos Extreme. Ontem à noite, o Coliseu dos Recreios de Lisboa foi palco para um saciar mútuo. A sala esteve meia-cheia, mas com uma vantagem: quem marcou presença conhecia a banda muito para lá de "More than words" e entregou-se à sua pujança e eficácia. Aquele tema foi, aliás, o momento mais previsível de um concerto revelador da identidade esquizofrénica – e, por isso, algo imprevisível – que os Extreme continuam a cultivar.

A banda de Boston pode não gozar hoje da mesma atenção que foi dedicada, por exemplo, em 1994, na primeira parte do concerto de Aerosmith, na Praça de Touro de Cascais, em plena ressaca do êxito de "Pornograffitii" (o álbum de "More than words") e "III Sides To Every Story". Mas, nesta "Take Us Alive Tour", não brinca em serviço e exibe uma boa forma de fazer inveja à sua versão de há uns anos. O alinhamento também se mostrou certeiro – e previsível. Ao baú de memórias foi buscar temas como "Rest in peace", "Decadence dance", "Get the funk out", "It('s a monster)", "Hole hearted" ou o inevitável "More than words", e colocou-os lado a lado – sem qualquer sensação de choque – com temas do novo trabalho, "Saudades de Rock". Musicalmente, nada a dizer: foi um concerto irrepreensível. Menos não seria de esperar de um quarteto feito de excelentes músicos.

O carisma mais forte emana do guitarrista Nuno Bettencourt que, sem surpresa, concentra à sua frente a maior parte dos fãs e não se escusa a demonstrações de virtuosismo. Nada de solos aborrecidos, porém. O dom de Bettencourt – que, a propósito, é também um vocalista dotado – cai nos pormenores que vai assinando entre "riffs", com uma rapidez e fluidez de nível G3. Ele, que até fala português com sotaque açoriano (na plateia, o "lobby" da Terceira fez questão de se dar a ouvir), não teve dificuldade em interagir com o público. E quando um dos mais aclamados guitarristas de rock prepara um arranjo especial do hino nacional, isso é... uma aposta mais que ganha.

O vocalista Gary Cherone Cherone, por seu lado, revela-se tão firme quanto irrequieto, com jeitos e trejeitos de escola Iggy Pop, gestos teatrais e alguma insistência em mostrar que, fisicamente, está no topo. A voz continua a surpreender pelo alcance e pela maleabilidade. Tanto se presta a baladas tipo Frank Sinatra, como a agudos dignos do glam, como às arestas de um tom mais rock, punk ou grunge. A secção rítmica, mais discreta, conta com a segurança do baixista Pat Badger (dedos com um "groove" invejável, talhados para grandes "funkalhadas") e do baterista Kevin Figueiredo, o único novo na formação.

A soma das partes

A qualidade e a versatilidade individual traduz-se, colectivamente, numa enorme riqueza instrumental e vocal. Mas fica, por vezes, a sensação de que falta um maestro para os executantes. E, por arrasto, um fio condutor para todo um conjunto de boas ideias. A dúvida é antiga e mantém-se: ou lhes falta uma identidade ou essa identidade está justamente na soma das partes.

Ouça-se atentamente a discografia Extreme. De "Extreme" (1989) a "Pornograffitti" (1990), passando por "III Sides To Every Story" (1992) e "Waiting For The Punchline" (1995), cabe lá tudo, incluindo ecos do tempo em que os discos foram feitos. Começamos no glam, avançamos pela influência de uns Queen, caímos no hard rock clássico, esbarramos com funk metal e descobrimos, pelo meio, ambientes de grunge, country, etc. Curiosamente, nisto o novo álbum é diferente. Investe menos no sabor dos tempos e mais na recuperação do que os Extreme melhor sabem fazer: músicas sem vergonha de experimentar tudo, desde que haja uma melodia forte, um bom "riff", um refrão com gancho poderoso e espaço para rendilhar. Um tema como "Star", o primeiro de "Saudades de Rock", é um bom exemplo. Só não permite, de todo, adivinhar o que se segue (no próprio disco) e seguirá (no futuro).

O maior pecado deste concerto acabou por ser o som, invulgarmente mau para o que é costume na sala lisboeta. Chegou a tornar-se agressivo de tanto volume e "feedback". Parecia pensado para um estádio, não para um coliseu. Não deixou perceber com clareza a teia de pormenores que é qualquer canção dos Extreme. Mais uma vez, falta de definição a ocultar riqueza. Pena porque os Extreme, são no mínimo, uma bela lição de rock.

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