Bellini quase integral em Roma

Sessenta e duas obras de Giovanni Bellini (c.1430-1516) estão expostas em Roma, no palácio Scuderie del Quirinale, onde permanecerão até Janeiro de 2009. Há mais de meio século que o pintor veneziano, mestre de Ticiano, não era objecto de uma grande exposição

a Desde a célebre exposição de 1949, no Palácio Ducal de Veneza, nunca mais tinha sido possível ver reunido, num só local, um conjunto significativo das obras de Giovanni Bellini, o pintor que revolucionou a arte veneziana do seu tempo, abrindo caminho a discípulos como Giorgione e Ticiano. O palácio Scuderie del Quirinale, em Roma, onde outrora funcionaram as estrebarias papais, dá agora a ver 62 telas de Bellini, que correspondem a cerca de três quartos de toda a sua produção conhecida, se contarmos apenas as obras cuja autoria não suscita dúvidas. A exposição foi inaugurada no dia 30 de Setembro e manter-se-á patente até 11 de Janeiro de 2009. Para se perceber por que é que foram precisos 60 anos para que Bellini voltasse a merecer uma grande mostra monográfica, basta pensar que as obras agora reunidas vieram de 48 museus diferentes, e ainda de várias igrejas e da própria colecção do Vaticano. A exposição de 1949 reuniu menos peças, e quase nenhumas que não estivessem em instituições italianas. É também a primeira vez que algumas grandes peças de altar, como o célebre Baptismo de Cristo executado para a igreja veneziana de Santa Corona, vão poder ser vistas num museu.
Mas a importância desta iniciativa não se resume ao facto de oferecer, durante pouco mais de três meses, uma visão de conjunto da obra de Bellini. A exposição agora inaugurada em Roma é o corolário de um extenso e minucioso trabalho de investigação dos respectivos comissários, Mauro Lucco e Giovanni C. F. Villa, que chegaram a várias conclusões inovadoras, designadamente no que respeita à cronologia das obras. O catálogo da exposição, publicado pela editora Silvana, torna-se assim a mais completa e actualizada monografia sobre Bellini hoje disponível.
Nascido, ao que se crê, em Veneza, por volta de 1430, Bellini cresceu numa família de artistas. O seu pai, Jacopo, era um pintor reputado, e o seu irmão Gentile, se hoje tende a ser visto como um talento menos exuberante do que Giovanni, foi um dos mais solicitados artistas da Veneza do primeiro Renascimento. E, por via do casamento de uma filha de Jacopo, Nicosia, a família alargou-se ainda a outro extraordinário pintor, Andrea Mantegna, que chegou a exercer alguma reconhecida influência sobre Giovanni.
Quando visitou Veneza pela segunda vez, em 1506, Albrecht Dürer afirmou que Giovanni Bellini, que contaria então mais de 70 anos (veio a morrer, já octogenário, em 1516), era ainda o maior pintor do seu tempo. Colocava-o acima dos seus mais célebres discípulos, como Giorgione e Ticiano.
Sensualidade e cor
Giambellino, como era conhecido em Veneza, começou por ser influenciado pelo trabalho de Jacopo, mas não tardou a libertar-se da tutela paterna e a levar a sua pintura para novos caminhos, dando às suas telas uma sensualidade e um colorido até então desconhecidos, em boa parte possibilitados pelo recurso a óleos de secagem lenta, em detrimento da têmpera. No entanto, tende a considerar-se que Bellini só atinge a sua fase mais inovadora e o pleno domínio do seu talento criativo quando já andava pelos 40 anos. Uma viragem na qual terá desempenhado um importante papel o pintor siciliano Antonello da Messina, que passou algum tempo em Veneza em 1475 e 1476. Fortemente marcado pela escola holandesa - após uma estada na Flandres -, o que o torna um caso praticamente único entre os pintores renascentistas do sul de Itália, Antonello da Messina transferiu essa influência para Bellini, que por sua vez a legaria a Ticiano.
Entre as qualidades que ergueram Giovanni Bellini acima dos seus contemporâneos, uma das mais indiscutíveis é o seu dom de paisagista, sem rival na pintura veneziana da época. E também o modo como conseguia conciliar a expressão serena e contemplativa das suas figuras - o Cristo e a Virgem são os seus tópicos mais constantes - com uma sugestão de movimento e com uma extrema precisão no detalhe anatómico.
Obras profanas
A esmagadora maioria das telas expostas em Roma são de temática religiosa, ainda que a exposição inclua algumas alegorias e peças de inspiração mitológica. No entanto, Bellini pintou muitas obras profanas, sobretudo a partir de 1480, quando foi nomeado conservador do Palácio Ducal de Veneza. Além de lhe caber a tarefa de restaurar e renovar as criações dos seus antecessores, foi ainda encarregado de pintar uma série de telas que ilustrasse o papel desempenhado por Veneza nas guerras entre Frederico Barba-Ruiva e o papado. Sabe-se que realizou pelo menos seis, e que estas pinturas foram grandemente admiradas na época, mas nenhuma sobreviveu ao incêndio que destruiu o Palácio Ducal em 1577, no qual também se perderam, entre outras, obras de Ticiano e Tintoretto.
No final da vida, Bellini era ainda um pintor muito solicitado, a ponto de literalmente não conseguir responder às encomendas, mesmo quando estas já tinham sido pagas por antecedência. A última obra em que trabalhou, e que deixou incompleta, foi a Festa dos Deuses, realizada a pedido do duque Afonso de Ferrara.

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