Publicidade para que te quero

Os consumidores estão cada vez mais difíceis. Hoje, as marcas são obrigadas a gastar mais tempo e dinheiro para os agarrar. Muitas vezes sem garantias de sucesso

a Pedro Cruz, 42 anos, gere o maior orçamento publicitário em Portugal, ao serviço da Unilever. Nos primeiros sete meses deste ano, a multinacional anglo-holandesa de bens de consumo investiu 93,7 milhões de euros (valores de tabela) a comunicar as suas marcas. O mercado mudou muito desde que assumiu funções, há dez anos: os consumidores estão dispersos e é preciso gastar mais dinheiro e imaginação para os agarrar.Em conjunto com os restantes nove maiores anunciantes nacionais, a Unilever foi responsável por dez por cento do investimento total (2754 milhões de euros), entre Janeiro e Julho de 2008, de acordo com dados da Mediamonitor. O ranking é dominado por grupos de distribuição e de grande consumo, como a portuguesa Sonae Distribuição ou a multinacional Procter & Gamble, e por operadores de telecomunicações (a Optimus e a TMN, por exemplo).
Todos os anos, as empresas chegam internamente a um consenso quanto ao montante a investir em anúncios. O tecto máximo pode variar, caso surja uma oportunidade de ouro ou a ameaça de um novo concorrente. Na maioria dos casos, a tendência é de aumento do orçamento, não só porque a evolução do mercado assim o obriga, mas também porque é cada vez mais difícil chegar aos consumidores.
Os gastos da Unilever no primeiro semestre de 2008 aumentaram 12 por cento face ao período homólogo, de acordo com os valores de tabela, isto é, sem descontos. O grupo, parceiro industrial da Jerónimo Martins (dona das cadeias Pingo Doce e Feira Nova), não releva números reais. Pedro Cruz refere apenas que "são próximos dos 93,7 milhões" avançados pelo barómetro da Mediamonitor.
Nos últimos dez anos, a empresa viu-se obrigada a alterar os padrões de investimento por duas razões distintas, mas que, no fundo, estão muito relacionadas: a fragmentação das audiências por diferentes meios e o consequente aumento dos recursos dispendidos com publicidade. "Há alguns anos, se anunciássemos na televisão, a oferta era tão mais limitada que nos permitia definir o melhor canal para inserirmos os nossos produtos. Hoje, a dispersão e a interligação de meios é tanta que nos obriga a estar quase em todo o lado", explica Pedro Cruz.
Medir para investir
Os alvos da comunicação são cada vez mais móveis e imprevisíveis, pondo em causa históricas ambições da publicidade, como a segmentação e, por vezes, a eficácia. "Antes falávamos para multidões, mais ou menos agrupadas por idades, sexo, profissão residência e mais alguns dados hoje ultrapassados de definição de status ou de poder de compra. Hoje comunicamos quase com um consumidor de cada vez", acrescenta Jorge Marques, vice-presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade e Comunicação (APAP).
Os ciclos económicos também têm uma palavra a dizer. Depois do "boom" do mercado, impulsionado pela esperança quase cega nos meios "on-line", chegou a crise. A recessão dá lugar a "comunicação mais objectiva e mais virada para resultados mais rápidos". Ainda assim, os obstáculos mantêm-se praticamente inalterados: medir resultados, a grande prioridade das empresas, continua a ser tarefa difícil, por vezes inibidora de novos investimentos. "Temos de justificar o dinheiro gasto", sublinha Manuel Ramalho Eanes, director da marca Optimus, o segundo maior anunciante em Portugal desde Janeiro. Actualmente, a operadora móvel serve-se de "ferramentas públicas de mercado, de indicadores de negócios e de instrumentos criados internamente" para calcular o impacto de uma campanha.
Ferramentas "insuficientes para ter uma resposta a cem por cento", mas que "ajudam a orientar o investimento", refere. A televisão é o suporte mais fiável em termos de resultados, ao contrário da publicidade de exterior, como os cartazes outdoor, que, apesar disso, têm vindo a conquistar confiança por parte dos anunciantes.
A publicidade é encarada como forma de arte, mas tem quase sempre inerente o lucro. A sua eficácia não depende tanto de fórmulas secretas, mas sim de um acompanhamento incisivo, desde a fase de planeamento até ao momento em que sai para a rua. Dentro da Unilever, todo este processo é gerido dentro de cada unidade de negócio.
As necessidades de promoção de uma marca como a Dove, que absorve 15 por cento do orçamento publicitário da empresa, são analisadas anualmente pelo seu "brand manager". Cabe-lhe definir o esforço financeiro de acordo com os objectivos de vendas e o contributo que estas acções possam dar-lhe. Escolhida a estratégia, a responsabilidade passa para o "media buyer", uma figura criada pela empresa e que tem como função comprar espaços publicitários nos diferentes meios.
Preferencialmente, a Unilever opta por uma estratégia a 360 graus, fazendo uso dos mais variados suportes, da tradicional televisão às menos usuais relações públicas. "Pegamos na ideia e transpomo-la para todos os meios", explica Pedro Cruz. No entanto, a caixinha mágica continua a ser o grande alvo do investimento do grupo, representando cerca de "60 a 70 por cento do total", afirma.
Números bem diferentes dos registados há cinco anos, altura em que o gestor garante que a televisão "dominava quase 90 por cento do orçamento". A Internet é sua maior rival, crescendo à medida que os meios tradicionais vão perdendo peso. (ver texto ao lado). No processo de escolha, "o que interessa é a finalidade da campanha", frisa Manuel Ramalho Eanes.
O director da Optimus explica que a televisão "é o suporte mais eficaz quando a comunicação é abrangente e não se dirige a um target específico", sendo mais indicada para anunciar promoções ou concursos. Já a Internet funciona melhor "no lançamento de um novo produto e, sobretudo, com consumidores mais jovens". A imprensa "acrescenta valor", pelo que é especialmente usada para "acções e targets mais sofisticados", conclui.
Mercado em saldos
Seja qual for o meio, há cada vez mais um ponto comum: as reduções de preço. Comparando os números de investimento real divulgados pela APAP com os preços de tabela analisados pela Mediamonitor, chega-se à conclusão de que, em Portugal, os descontos de publicidade poderão ter chegado aos 84,3 por cento no primeiro semestre deste ano.
De acordo com a associação, no primeiro semestre o investimento rondou os 369,7 milhões de euros, mais 4,3% que no período homólogo. Já a Mediamonitor sugere que este número será, a preços de tabela, de 2350 milhões de euros. Esta diferença entre valores tabela e valores reais "vai prejudicar a médio e longo prazo as marcas", refere Jorge Marques. Não é, porém, suficiente para que considere que o mercado está em crise, mas sim "numa fase de mudança radical".
O vice-presidente da APAP afirma que "os descontos estão a contribuir imenso para acelerar o crescimento dos outros meios, o que é bom". Por outro lado, "originam blocos [publicitários] de meia hora na televisão que ninguém suporta e, quando os anúncios passam três e quatro vezes no mesmo bloco, com a repetição exagerada criam aversão e, quanto mais passam, pior para a marca".
Na publicidade, há extremos que resultam e outros que nem tanto. Mas existem sempre regras a respeitar: "Primeiro, é preciso ser visto. Depois é preciso ser relevante para a vida das pessoas. E, por último, é preciso conquistá-las pela emoção", defende Jorge Marques.
a Nos próximos anos, o investimento publicitário global vai aumentar a um ritmo moderado. A televisão, responsável pela maior fatia dos gastos dos anunciantes, chegou à maturidade. O crescimento do mercado está agora nas mãos da Internet e dos suportes digitais alternativos, numa altura em que os meios tradicionais vão perdendo a atractividade. Portugal, um dos países que menos dinheiro movimenta com publicidade, vai seguir a tendência.
De acordo com as previsões da PricewaterhouseCoopers (PWC), a subida mais acentuada vai dar-se nos formatos digitais, com especial ênfase nos anúncios "on-line" e no telemóvel. Até 2012, este segmento vai crescer 19,5 por cento, estimando-se que atinja um investimento global de 120,4 mil milhões de dólares (83,8 mil milhões de euros, ao câmbio actual).
A Internet absorverá grande parte do orçamento dos anunciantes em 2012 (72,4 mil milhões de euros). Em Portugal, apesar de um ritmo de crescimento acima dos 30 por cento (um dos maiores da Europa Ocidental), os valores vão estar abaixo da média, não devendo ultrapassar os 52,2 milhões de euros nos próximos quatro anos.
A ascensão global da web, impulsionada pelo aumento de penetração de novas tecnologias e pela facilidade de medição, não se fará apenas por um alargamento do mercado. Será, aliás, pela ocupação do espaço de meios mais tradicionais, como a imprensa e a rádio, que vão perdendo argumentos perante a evolução do mercado.
O cenário mais crítico diz respeito aos jornais e às revistas. Um estudo da agência de meios Carat revela que o investimento publicitário nos suportes escritos vai entrar em rota descendente já este ano. As previsões apontam para uma perda de 0,8 por cento em 2008 e de 0,2 por cento em 2009.
O mesmo se passa com a rádio, cujo ritmo de evolução global não deverá ir além dos 2,6 por cento, passando a movimentar 32,9 mil milhões de euros em 2012, conclui o relatório da PWC. Na Europa a subida será um pouco mais acelerada (4,5 por cento), com o Reino Unido na frente do pelotão. Já o mesmo não se pode dizer do mercado nacional, que terá um desenvolvimento abaixo da média (dois por cento), atingindo um investimento de apenas 51 milhões de euros num prazo de quatro anos.
Dispersão de investimento
O problema é que nem só a Internet tem pressionado a imprensa e a rádio. A busca pela eficácia levou à emergência de novos meios, dispersando ainda mais o investimento. A consultora PQ Media dá alguns exemplos: em 2007, os gastos com "product placement" (inserção de marcas em programas de televisão) subiram 14,7 por cento para 15,5 mil milhões de euros, o patrocínio de eventos cresceu 12,2 por cento para os 13,4 mil milhões de euros e a publicidade em jogos aumentou 34,8 por cento para os 151 milhões de euros.
A televisão também tem sido afectada pela emergência destes suportes, mas o seu já tradicional peso nos orçamentos e o facto de ser o meio preferencial da comunicação de massas fazem com que o impacto seja menos notório. Nos próximos quatro anos, vai ter um incremento de 5,9 por cento, atingindo um montante global de 150,1 mil milhões de euros em 2012, de acordo com a PWC. Portugal deverá ficar-se por uma subida de 2,4 por cento para os 561 milhões de euros.
A publicidade de exterior (categoria na qual se inserem os outdoors, mas que tem evoluído para novos formatos, como os ecrãs colocados em táxis) vai aumentar a um ritmo de 6,8 por cento, alcançando um investimento global de 26,2 mil milhões de euros em 2012. O mercado nacional será responsável por uma subida de 3,6 por cento, crescendo mais 21 milhões de euros.
Pedro Cruz, director
da Unilever
a Há marcas que nascem, vivem e morrem sem recorrer à publicidade, contrariando o mercado. Umas porque preferem utilizar trunfos próprios para atrair consumidores, transferindo o investimento para outras áreas. Outras porque não têm dimensão suficiente para desperdiçar dinheiro e não ter retorno suficiente, optando por meios menos dispendiosos para não perder a posição.
Body Shop, Starbucks e Ryanair são alguns dos nomes que fazem parte do primeiro grupo e, ainda assim, serão poucos os consumidores que não os reconhecerão de imediato. No caso da marca de produtos de higiene e cosmética Body Shop, foi a própria fundadora, Anita Roddick, que se encarregou de promover a marca pelo mundo fora, nas viagens que realizou em busca de novos ingredientes naturais. Até o seu recente falecimento, em Setembro do ano passado, serviu para dar visibilidade à empresa britânica, segunda maior do sector, a seguir à brasileira O Boticário.
A norte-americana Starbucks confiou a promoção à sua extensa rede de lojas de venda de café. Nos primeiros dez anos de vida, a marca gastou apenas dez milhões de euros em publicidade. E a companhia de aviação "low-cost" Ryanair centrou todos os esforços no passa-palavra, servindo-se de descontos significativos nos preços das viagens para atrair clientes ao seu sítio na Internet.
Marcas como Tulicreme (chocolate para barrar) e Brut (perfumaria), ambas detidas pela Unilever, têm outra justificação para não recorrer à publicidade. "A sua dimensão não geraria massa crítica necessária", explica o gestor Pedro Cruz. Nestes casos, a estratégia passa pela via promocional, mais focada as lojas onde os produtos são comercializados. R.A.C.


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