Dez anos depois cada um tem o seu Lux

az hoje exactamente dez anos. A Expo-98 estava nos últimos dias, a auto-estima de Lisboa em alta e o país parecia viável. No Cais de Pedra, em frente à estação de comboios de Santa Apolónia, num edifício de betão datado de 1910, onde funcionava uma oficina de uma empresa de estiva, abria o Lux. Os arquitectos Margarida Grácio Nunes e Fernando Sanchez Salvador assinaram o projecto, criando uma discoteca no rés-do-chão, um bar no primeiro piso e um terraço no último. O mentor da ideia, o timoneiro, então e ainda hoje, é Manuel Reis, com credibilidade conquistada durante mais de dez anos, na organização de grandes eventos, e à frente do Frágil, o espaço nocturno que impulsionou o Bairro Alto, transformando-o, na década de 80, no novo centro da Lisboa boémia e culta.
Dez anos depois, o Lux habita o imaginário de todos. Nas revistas, e nas conversas da gente mundana que povoa as capitais do mundo, representa a emergência de uma Lisboa mais cosmopolita. Na província, quando os locais querem explicar aos forasteiros como é o espaço nocturno de maior prestígio na povoação, caracterizam-no como sendo "uma espécie de Lux". Quase todas as cidades de província têm também o seu Lux.
Para muitos é elitista, uma rede de relações estreitas entre grupos de pessoas que se conhecem umas às outras. Quem o diz são, por assim dizer, as outras pessoas, aquelas que não se conhecem umas às outras. Para outros, o seu principal problema, em comparação com o Frágil, é que se abriu excessivamente.
Nem uma coisa nem outra. Pode parecer exclusivo, mas é antes de tudo um espaço de diferenças compatíveis. Nos anos 80, no Frágil, a utopia de se estar entre semelhantes era fácil de criar. O Lux, pela sua enorme dimensão, tinha que ser outra coisa.
É bar e discoteca, mas também acolhe concertos, espectáculos de artes performativas, exposições ou o lançamento de livros. É um espaço ambíguo, mas aquilo que projecta até é concreto - um ideal contemporâneo de lazer, produção e consumo cultural, associado à sociabilização, através do consumo do prazer.
O Lux é uma senha que todos temos a presunção de conhecer. Quando se qualificam manifestações culturais estimulantes, fixando profundamente o devir da cidade, há quem pense no Lux. O mesmo acontecendo quando são sofisticadas mas destituídas de conteúdo. É natural, num país onde não se contempla que todas as artes se podem cruzar no paladar de uma conversa. Como dizia Andy Warhol, que percebia do assunto, uma boa conversa opera possibilidade criativas. Sócrates, o estruturador da cultura ocidental, não fez, aliás, outra coisa.
Ou seja, cultura, pode ser também um ambiente, um local onde pessoas se encontram, conhecem, conversam, olham ou dançam, participando interactivamente numa dinâmica, precisamente, cultural. Pode soar superficial e, bem, por vezes, é. Depende das pessoas, da sua atitude e se conseguem ser estimuladas criativamente. Ir à Cinemateca, ao São Carlos ou à Galeria ZDB pode ser uma experiência muito mais diletante. O valor da experiência não está no local, está na atitude perante a realidade.
Também por isso, o Lux adquiriu estatuto de ícone. Ganhou conotações simbólicas. Todos projectamos fantasias nele. Como a maior parte das coisas que, em Portugal, são respeitadas - independentemente de serem tão amadas quanto odiadas pelo que representam -, do Lux todos exigem qualquer coisa, mesmo que não se saiba o quê. O que, como se sabe, é a melhor forma de nos desresponsabilizarmos e de não sermos nós a edificar.
Nos primeiros cinco ou seis anos de vida, o Lux ainda estava muito conectado com a forma de operar e ser dos anos 80, época fundadora no design, na moda, na produção artística em geral e nos espaços de sociabilidade, mas que não vale a pena idealizar.
Hoje, muitos dos que cresceram no Frágil e nos primeiros anos do Lux ocupam lugares de poder, real ou de influência. Ao mesmo tempo, o mundo, e o da cultura também, transformou-se. É mais caótico, difuso, difícil de apreender. A realidade artística portuguesa da qual o Frágil, e o Lux dos primeiros anos, servia de emblema era facilmente categorizável. Actualmente, é bem mais diversa, desordenada e, já agora, muito mais estimulante.
Neste contexto, o Lux está, naturalmente, diferente. Ou melhor, está e não está. Do ponto de vista da realidade, está. Simbolicamente, não. Existe uma nova geração a frequentar o espaço, que tem uma relação completamente diferente com ele.
Menos preocupada com o facto de uma ida ao Lux ser marcador de identidade, fruindo o espaço despreocupadamente, dessacralizando-o. São esses que fazem o quotidiano do lugar.
Depois existem os outros, aqueles que lhe dão estatuto, e que, pelo menos, surgem nos acontecimentos excepcionais, sejam os aniversários, as festas temáticas ou os concertos (Prince, Cinematic Orchestra, Thievery Corporation, St Germain, Herbert, Antony, LCD Soundsystem, ESG, Gonzales, Jamie Lidell) e sessões DJ (Kruder & Dorfmeister, 2 Many DJs, Ricardo Villalobos, François Kevorkian, Justice) que ficaram para a história, muitos deles prenunciadores de tendências que ainda não eram inteligíveis, mas que já estavam a acontecer.
Dez anos depois, o Lux continua a ser, num contexto diferente, um laboratório vivo, sempre em construção e, como tal, também com fragilidades e imperfeito. Quem conhece um pouco da personalidade de Manuel Reis sabe que a última coisa que lhe apetece hoje é celebrar o que passou. Apetece-lhe, isso sim, continuar a propor, a planear, a imaginar. Há dez anos, o Lux começou assim, de tal forma que aquela que era uma área abandonada, transformou-se numa zona vivida, com lojas e restauração. Oxalá contagiasse outras áreas da cidade.

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