Madonna em Lisboa: rainha há só uma

Foto
O espectáculo da digressão "Sticky & Sweet" começa com Madonna sentada num trono DR

O concerto de Madonna há quatro anos, no Pavilhão Atlântico, marcou um antes e um depois na história dos concertos em Portugal. O de ontem, no Parque da Bela Vista, não teve o mesmo impacto, mas não deixou de ser um marco para os milhares de fãs que a viram pela primeira ou segunda vez. Vieram de todo o país. Do estrangeiro também, com destaque para a presença espanhola.

A viagem valeu a pena. Esperava-os a grandiosidade, a atenção ao pormenor, a boa forma e a sensualidade da norte-americana que dita as regras da pop. Ali, no mesmo espaço em que Britney Spears desiludiu (Rock In Rio 2004), até a princesa da pop se redimiu. Pelas mãos da rainha.

É num trono que Madonna entra em cena, sem falsas modéstias. No meio de um aparato visual estonteante e do maior aplauso que Lisboa já deu a um artista de uma vez só (75 mil pessoas), surge a tão aguardada figura, poderosamente sentada em cabedal preto. Levanta-se e ataca "Candy shop", do último álbum, "Hard Candy", que dá o mote a esta "Sticky & Sweet Tour". Dele vem também "Beat goes on" e, com ele, os ecrãs ocupados por Pharell Williams e Kanye West . Estamos em pleno cenário "Pimp", o primeiro dos quatro actos que compõem o concerto. Que entrem então o pulsar urbano, o eco do hip-hop e, porque não?, um carro branco com jantes de fazer inveja a qualquer "rapper". "Human nature" é acompanhado por um vídeo fabuloso, que usa um elevador como metáfora para a claustropobia da fama. A protagonista é Britney Spears, numa das suas melhores actuações (como cantora e actriz). Em "Vogue" já se ouve o "tic-tac" de "4 Minutes". Todo o alinhamento revela, aliás, o quanto Madonna gosta de misturar canções, suas e/ou alheias, sempre com arranjos diferentes dos originais.

Depois de "Die another day", em que assistimos a um combate de boxe (com ringue), chega "Into the groove" e outra Madonna, de fato-de-treino minúsculo e vontade de brincar. O capítulo "Old Scholl" acaba de chegar e traz bonecos animados de Keith Harring, diversão, cor e salto à corda para animar. Até que Madonna colapsa. Nos ecrãs, a linha do batimento cardíaco acompanha o "ressuscitar". Não é um saltinho à corda que a vai parar. "Heartbeat" abre alas para "Borderline", em guitarras com distorção. "She's not me" exibe as várias fases de Madonna, em manequins humanos tratados como bonecas de imitação. "Music" reabre a pista de dança.

A envolvência começa a ser mais exótica com "Rain" e "Devil wouldn't recognize you". Abre-se o capítulo "Gipsy", para uma "Spanish lesson" (está visto que perguntar ao público se fala castelhano funciona em todo o mundo, menos em Portugal). Instala-se uma festa cigana com ritmo de fazer inveja a Kusturica. "Miles away" é a viagem pelo mundo que antecede "La Isla Bonita".

Ainda há tempo para renovar o pedido de "You must love me", antes da explosão do acto "Rave". A sequência que se segue é o maior doce que Madonna podia colocar no topo deste alinhamento, menos dado a êxitos que o de há quatro anos e, talvez por isso, recebido com menor entusiasmo. Os temas estão bem frescos na memória e são para lá de contagiantes: "Get stupid", "4 Minutes" (em dueto virtual com Justin Timberlake), "Like a prayer", "Ray of light", "Hung up" e "Give it 2 me" (com uma pitada de "Express yourself").

Ao milímetro

Infalível, rigoroso, ensaiado ao milímetro, o espectáculo está desenhado para ser uma corrente contínua de música, imagem, dança e outros regalos para a vista. Os ecrãs movem-se, o palco transforma-se, o público está perto da rainha, os espantosos efeitos visuais sucedem-se. Por outro lado, a inteligência de Madonna não a deixa passar ao lado da oportunidade de tocar as 75 mil consciências que concentram toda a energia naquilo que tem a dizer. De forma simplificada (e a tempos hipócrita, dirão os cépticos), correm mensagens espirituais (contra o tom hermético das instituições religiosas), mensagens políticas (confirma o apoio a Barack Obama, reitera a rejeição de Hitler e... John McCain), mensagens de paz (Mandela, Bono, Lennon, Luther King…), mensagens sociais (o materialismo como reverso da medalha da guerra e do vale-tudo).

Tudo o mais é um show musical perfeitamente alinhavado e sem quaisquer tempos mortos. Há sempre um vídeo, uma dança ou uma encenação concebida para manter o público com os olhos pregados no palco, mesmo quando Madonna se ausenta e corre aos bastidores para trocar de roupa. É demasiado programado? É. Afinal, este espectáculo é uma máquina de entretenimento. Mas não é um espectáculo que prenda a cantora dentro de um formato. Vive dela e para ela. Madonna sente-se visivelmente em casa.

Maior que a sensualidade e o profissionalismo, só a segurança. Madonna conhece bem os seus limites (a voz, por exemplo), mas conhece ainda melhor o seu potencial. Faz questão de tocar guitarra (e mostrar o grande progresso de há quatro anos a esta parte), tal como faz questão de cantar ao vivo (mesmo que a voz lhe queira, por vezes, fugir de cansaço), dando uma lição constante a todas as pretendentes ao trono. O ritmo mantém-se imparável ao longo de mais de vinte temas. Madonna é uma "show-woman" inigualável e inalcançável no seu "savoir faire". Como ela não há nenhuma. Ponto final. Ou, na linguagem desta digressão, "Game Over".

Sugerir correcção
Comentar