Optimus Alive!: do mestre aos pupilos

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Bob Dylan deixou a música falar por si DR

Ontem, segundo dia do Optimus Alive!, em Algés, o número de pessoas perdeu para a multidão da véspera. Em compensação, o público diversificou-se em estilos e idades, reflectindo fielmente um cartaz que apontava para várias direcções. O alinhamento não era dos mais felizes – e emagreceu com o cancelamento dos Nouvelle Vague (o segundo do festival, depois da ausência dos Cansei de Ser Sexy no primeiro dia) –, mas, na apreciação global, há que reconhecer um fio condutor: a qualidade de cada concerto, cada um no seu nicho. As marcas mais duradoiras foram deixadas pela grandeza discreta de Bob Dylan e pela potência descarada dos Buraka Som Sistema.

A meio da tarde, quem entrasse no Metro On Stage quase podia pensar que a noite tinha caído mais cedo. Nada de bandas, só batidas. Aos comandos da mesa de mistura estiveram personagens escolhidas a dedo no catálogo da etiqueta francesa Ed Banger (ligada a Daft Punk e Justice). Rapidamente a inicial meia-dúzia de pessoas se multiplicou em enchentes, para ver Sebastian, Uffie, DJ Mehdi, Vicarious Bliss, Mr. Flash, Busy P., DJ Feadz e Krazy Baldhead.

Enquanto o Metro On Stage começava a caburar, o Palco Optimus arrancava sob o signo da descontracção, com a Kumpania Algazarra. A "trupe" atirou ao público um convite à folia e o público respondeu com convicção crescente aos encantos de um saco de viagem recheado de sons de África, Médio Oriente, Portugal, Balcãs. Começou ali mesmo o tom de festa de arromba que iria marcar o remate, horas mais tarde, com Buraka Som Sistema.

Os metais da Kumpania Algazarra soaram mais tempo que o previsto. Seguiu-se uma longa pausa. E a assistência a tentar adivinhar o que teria acontecido aos Nouvelle Vague... Ficaram retidos num aeroporto francês, explicou a organização, ao mesmo tempo que dava a boa notícia aos fãs de John Butler: o músico australiano acedera a dar mais quarenta minutos de concerto. Sem pressas nem pressões, percorreu temas como "Something's gotta give" ou "Used to get high", fazendo as delícias de uns e a surpresa de outros tantos. Armado da slide-guitar em que é mestre virtuoso, guiou a sua banda pelas rotas folk, rock, blues, soul e reggae que o tornam uma figura tão distinta no campo da música independente.

Depois, chegou a lenda. Sem efeitos, sem artifícios e sem sair do lugar, Bob Dylan optou pelos blues e lavou a alma ao público, que acompanhou com danças e sorrisos mesmo os temas que não reconhecia imediatamente, de tão alterados que apareceram. É que Dylan não cantou. Preferiu usar a voz curtida para contar as histórias de canções como "Don't think twice it's alright", "Ballad of a thin man", "Highway 61", "Desolation row" ou "Like a rolling stone". Só nesta música, a última, se dirigiu ao público. Esteve sempre quieto a um canto, no seu mundo, debaixo do seu chapéu, a ser apenas… Bob Dylan. As canções foram longas, mas não cansaram. As palavras foram escassas, mas não fizeram falta. O coro do público não coincidiu nunca com a métrica da voz, mas isso não afectou a celebração. É nestes (aparentes) pormenores que se decide a importância de Dylan. Não há holofotes apontados a brilhos, a técnicas, nem sequer ao próprio Dylan. O importante é a música. E, de repente, torna-se bem visível o quanto essa música, a sua, funciona como mestre para meio-mundo musical.

À austeridade de Dylan sucedeu o contraste cénico dos holandeses Within Temptation, concerto que só fez sentido para os fãs que correram a concentrar-se à frente ao palco principal. Esses foram presenteados com mais uma prestação firme da banda holandesa de metal sinfonico-gótico. Apesar de todos os adereços e de toda a teatralidade da banda, não há forma de desviar o olhar da voz e figura de Sharon den Adel, fada (ou anjo?) admiradora de Kate Bush que, num regime quase operático, projecta agudos como quem produz sonhos. Os Within Temptation não terão conquistado novos adeptos, mas ganharam mais um espacinho no coração dos fãs, que pediram mais.

O final da noite foi um festim. Não, um festão. Longe vão os tempos em que os Buraka Som Sistema eram mera curiosidade no armazém de um Hype@Tejo. Com a estrondosa rodagem em palcos nacionais e internacionais, tornaram-se uma máquina sofisticada. Contudo, não perderam pelo caminho um único pingo do suor e da autenticidade. Foram buscar Deise Tigrona para assumir a geminação do seu "kuduro progressivo" com o baile funk. Foram buscar Pac Man, dos Da Weasel, para sublinharem as afinidades com o hip-hop. E foram buscar os Pupilos do Kuduro para mostrar como se dança. Buraka Som Sistema é nome de máquina humana que não perde nada e absorve tudo. Lançaram a loucura com temas tão conhecidos como "Yah!", "Wawaba" ou "Sound of kuduro", e misturaram, pelo meio, referências a Daft Punk, Prodigy e AC/DC. O Optimus Alive! pegou fogo.

O festival termina hoje com as prestações de Ben Harper & The Innocent Criminals, Neil Young, Donavon Frankenreiter, Xavier Rudd, Braddigan (Palco Optimus), MSTRKRAFT, Brodinski, Gossip, Róisín Murphy, Midnight Juggernauts, Juan MacLean & Nancy Wang e Sizo (Metro On Stage).

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